sexta-feira, dezembro 30, 2005

E ele sorriu. Menos não podia ser. 2005 salda-se um ano bom. Mais do que próspero, produtivo! Por tudo isso ele percebe que é mais do que bom. E 2006 - quem sabe! - poderá ser ainda melhor. Vai abrir-lhe a porta, com certeza!

sexta-feira, dezembro 23, 2005

-Aquele debate televisivo-

Não consegui distinguir aquele debate televisivo de um ringue de boxe. Talvez o saco fosse a cara de um dos dois. Ou o saco fosse balofo pela ausência de valores e dignidade; e aí as mãos severas de ambos os atacantes deslizaram no tecido rugoso da artimanha e perderam-se no vazio do ar. Como podem querer governar um país se nem tento na língua têm?
E ali se perdeu a réstia de dignidade deste país. (Sim, eu ainda pensava que a tínhamos)!

sexta-feira, dezembro 09, 2005

Uma boca vazia no ar perde perdão. Estende-se no ar com a devassidão indigente. Luta pela espera paulatina. Cessa. Não quebra e pede. É uma boca devastada. Esquecida em vazio humano de nada, de tudo e do intermédio que não pára. Será que podes avançar? Sem o perdão? Será que podes ceder à doce lassidão da injustiça?

sexta-feira, dezembro 02, 2005

Instante de Desejo

Não pode olhar para o céu. Chegou com atraso ao canto do mundo porque se sentiu abalado com o sopro indelével. Agora não suporta contemplar, bem alto, o azul celeste que o faz lembrar a imensidão esquecida de um instante de fervor.
Senta-se. Cruza as pernas no chão. Roça a palma delas em cada textura da areia fina; como se cada fragmento fosse um fio invisível de desejo escondido.
Esquece-se. Toca com receio a brisa que vagueia pelo rosto. Mas recusa-se a olhar o alto, porque a vergonha o comove. Teme que nunca mais possa ter um pequeno - por mais ténue que seja - instante de desejo.
Não se levanta. Responde com murmúrios à melodia desenfreada que o vento sussurra. O cabelo esvoaça. As pernas estão dormentes. O suor nervoso corre-lhe pelo rosto, jorrando com troça pelos poros secos de ardor, amargurados pelo ar.
Só pensa, não sente a frieza do tempo que faz. Apenas se entrega à dor reflexiva que se torna, depressa, uma explosão emotiva de sarcasmo.
Ri, nervosamente! Pára. Levanta-se.
Essa noite beberá uma garrafa de rum. Adormecerá as mágoas com a sonolência do álcool. Amanhã acordará e vai continuar a ignorar a cor do céu. Porque, por ora, o véu da aurora o enfeitiça e ilude com promessas adiadas.
Mal ele sabe que está preso a um instante desejo que jamais poderá sentir. Talvez assim; quem sabe um dia; entenda o que jamais alguém interpretou!

quarta-feira, novembro 30, 2005

A Esquizofrenia da Virtude

A Virtude (V.) não saiu de casa de manhã como habitual. Rendeu os seus gestos delicados ao pudor da preguiça. Como se deixou ela enredar assim, num acto vadio que não é o seu? Parece que ela é de medidas compassadas e trejeitos calculados. E nunca se deixou ela levar pelas balelas da perfídia e as críticas cobiçadoras das vizinhas Intriga e Má-Língua. Mas, daquela vez, a Preguiça usou de artimanhas maiores e seduziu-a com as técnicas apuradas- mesmo vampíricas- da publicidade desenfreada ao ócio.
"Mas cara Virtude, para seres ainda mais virtuosa não há nada como um sono de beleza prolongado para não danificar as rugas do tempo e o cansaço da perfeição"- alegou a Preguiça.
Ora visto que o Tempo está cada vez mais moribundo, e o cansaço padece de Alzheimer (esquece-se frequentemente que se cansa!) a Virtude achou por bem dar ouvidos à Preguiça - que se apresentou naquele dia toda aperaltada de falsos fundamentos dissimuladores.
Assim, rendida às técnicas do marketing e do consumismo, a Virtude, julgando ficar mais formosa em intelecto, decidiu quedar-se em casa...
Ao cair da noite. E sem que nada acontecesse, ela explodiu em pranto, perante o riso cínico da Preguiça que, naquele dia, se dignara a visitar V.
Depois, decidiu ultrajar-se e demitiu-se do cargo "imortal" a que alguém, um dia, a incumbira. Talvez por isso a Virtude tenha deixado de dar notícias. Está num centro psiquiátrico há anos. Motivo? Sofre de esquizofrenia crónica...Bem crónica!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Incompetência?

Vamos falar de moralismos. De exigências, de ineficácias ou talvez de incompetência. Quando me exigem rigor, responsabilidade, eficácia e (correndo o risco de me repetir) atitudes exímias, costumo colocar os dois pés em pausa, sem avanço. (Renitente e com suspeitas). Mas perante factos não há argumentos e avancei-os...até que hoje dei um salto em retrocesso.
Como é possível que uma instituição - supostamente "competente e rigorosa"- tenha tido a lata de lançar um banho de água gelada por cima de nós?Não posso. Não tolero... Que moral tem para me exigir rigor se nem ela sabe responder a perguntas básicas como temas de trabalhos, horários...Deixando-nos assim "enjaulados" e estupidamente pueris... Vi logo que havia fogo de vista e não passa de uma casa com "sapatas" (denunciem srs engenheiros) de barro...
Van

quarta-feira, novembro 23, 2005

Foi com voz doce que ela o embalou. Escorregou depois num desejo sentido e confessou à Lua o enigma do olhar furtivo. Com passos de fada, deixou deslizar a mão de seda no rosto dele. E num suspiro sorveu-lhe o mundo num segundo.

terça-feira, novembro 15, 2005

E ele embalou-se pelo brilho da lua e enfeitiçou-se pelas estrelas do olhar. Era a voz fugidia que o esquecia; e sorvia o momento com o respirar.

domingo, novembro 13, 2005

-Dias ténues em compasso apressado-

Há dias em que a noite é um fio ténue que passa pelas encostas escarpadas do olhar e ao relento da memória. Outras vezes, é o dia que passa como a noite, numa sessão de insónias em contra- luz repentino.
Estes dias, passam assim: entre a incerteza do dia e a velocidade da noite - sem descanso, ansiedade e cansaço. Estes dias não são dias: apenas meras noções do dia, da vida e de um caminho incerto em que alguém nos guia como pequenas marionetas. Apenas trilhos espaçados de realeza indistinta e sabor insípido.
Hoje os dias não são luz, nem trevas, nem nada. Apenas vivências cimentadas em tectos artificiais, oxigénio manipulado e cadências encurtadas em melodias da palavra. Só o pensamento consegue viajar na estrada de fora, escolher a luz que o toca, o tempo que faz, a melodia que o embala. Talvez seja esse o embalo fugidio: o tecto vazio da liberdade do mundo.

sexta-feira, novembro 04, 2005

-Inquirições da Alma-

Quis dona Júlia saber por que razão havia ele saltado fugazmente do interior do quarto, ao relento do sabor sombrio do tempo e à parca luz da madrugada. Mas afinal quem no seu perfeito juízo (e por que pretensões) sairia do calor do leito, aconchegado e ternurento para embrenhar-se no gelo?
Mais queria ela saber das razões por que dom Rigolletto saira ornado nas suas melhores roupas, perfumado com aroma de jasmim e lenço alvo no bolsa da jaqueta, como quando saía para os bailes nobres dos Castelhanos del Sario - a casa ao lado do grande lago que premeia o jardim de Aurélia (a virgem).
Está claro (seria?) que podia tratar-se de um caso amoroso clandestino. Um vício entranhado que falava mais alto. Será que dom Rigolletto deixara as malhas do jogo apunhalá-lo pelas costas? Ou, então, Dom Rigolletto andava inclinado para negócios obscuros de tráfico de rapé; ou lenços de seda?
Mas ele estava mais que ornado. Não saira sem a sua máscara viril. O pó branco que lhe cobria a cara. A cabeleira barroca, branca, que lhe escondia o cabelo. O sinal petulante que lhe adornava os contornos do lábio. Dom Rigolletto saira aprumado. E isso, ninguém contesta. Nem dona Júlia. Que horas antes se deixara enternecer nos braços gentis e másculos do italiano emprestado. (Rigolletto não era o nome de família).
Mas afinal ele seria artista? Contrabandista? Poeta boémio de ilustres casas de meretrizes? Ela não sabia. Por isso prometia vigília certa para um interrogatório apertado, sem tréguas, nem piedade. Ela não tolerava a traição. Nem sequer imaginava desculpa plausível para tal escape ao anunciar da aurora.
Foi durante estas e outras divagações que a dobradiça da janela guinchou. E com ela eis o foragido da noite; que em pézinhos de lã, ensaiava uma entrada (triunfalmente silenciosa- tentava!) na sala por onde havia saído.
Dona Júlia aguardou o final do exercício de destreza do amado. Depois inundou a sala com a luz de dois candeeiros de petróleo, para mostrar a sua presença (fúria e desagrado). Pálido (o pó branco assim o queria) dom Rigolletto arregalou os olhos e depois perdeu-lhes o domínio e desatou num pranto desafinado, soltando graves e agudos, sem grande consideração pela harmonia musical. Confessou-lhe a tormenta. Afinal havia desculpa. Contou-lhe as perdições sentidas e as paixões da alma.
O inquérito durou mais de duas horas. A neurose estava confessada. E dona Júlia concedeu-lhe o desejo de sair todas as madrugadas, sem inquirições da alma.

terça-feira, novembro 01, 2005

-Le soirée eterne-

Il ya un subterfuge énigmatique dans le rêve de Marie. Il s'appelle éterne moment que fait de la vie une constante mise en scène.
Vanessa Rodrigues

sexta-feira, outubro 28, 2005

- O tavão aniquilado-

O tavão foi surpreendido pela teia mal feita da aranha preta e fina de pernas. Essa rodeava o interior da secretária moderna e atafulhada de papéis, ornada por objectos menos importantes. Foi, então, o insecto enredar-se nas malhas viscosas daquele fio insípido e visível à luz, expelido com mestria pelo labor do aracnídeo com economia absoluta de a casa lhe servir de armadilha para uma refeição recheada.
Às primeiras vibrações do almoço requintado, apressou-se a aranha magriça - e com tiritar acobrático entre as linhas ténues da casa- a ver que "peixe" lhe tinha caído na rede. Quem sabe nesse dia a dona aranha não teria farnel que sobrasse para convidar as amigas desdenhadas para o ansiado banquete. Afinal a aranha castanha, peluda e com casa em retalhos (e que vivia na estante de cima- mesmo junto à secretária) há muito que a criticava pelo seu mau feitio anti-social. Quem sabe se não era desta vez que ela se vingava das invectivas verrinosas que lhe lançavam as más pinças de aranha.
Pelo balançar da teia bem que a magriça se podia regozijar. Bem que ela andava de um lado para o outro. Ia e vinha. O tavão não morria. Lutava pela vida. Lutava atarefadamente para se libertar das linhas pegajosas daquela teia. Estava numa redoma. Lutava. Espezinhava. Esperneava. Zumbia. Balançava a teia até se enrolar apenas num fio. Uma forca. (Quem sabe?). A aranha inquietava-se. Não podia perder a presa. Não podia deixar escapulir-se um petisco daqueles para dar e vender.
A luta do moscardo estava a mostrar-se uma peleja incansável. A aranha desesperava. Até que de repente, num último fôlego o moscardo soltou-se, perante o olhar incrédulo da magriça que nada mais podia fazer do que lamentar um banquete adiado.
Já no chão, o moscardo descansava. Tentava recobrar o fôlego perdido.
Num jeito voraz o chinelo da Rosália bateu uma, duas, três vezes para aniquilar os movimentos do tavão. Não houve banquete, não houve vitória de salvação. Venceu o chinelo na inutilidade da peleja.

quinta-feira, outubro 27, 2005

[-Uivar da Aurora-]

As árvores não dormiram esta noite, sacudidas por um vento trôpego, insatisfeito e vestido de manta de tropel para arrebatar sentimentos sonulentos. Esta noite, enraivecido, o vento soprou lamúrias escondidas, neuroses recatadas e fez ranger as dobradiças do céu, da terra e da água oceânica. Por causa dele, da inquietude e tormenta portentosa de rajadas fugidias e secas de amargura, os cães acordaram estremunhados e uivaram com ardor singelo ao desconhecido. Quem sabe o medo arrebatou os sonhos enternecidos. Quem sabe balançaram na memória do temor ancestral, denunciador de momentos já passados. Seria um prenúncio de episódios de outrora? Foram estes sons que me acordaram de um sono lento; embevecido e mergulhado em ternura quente. As frinchas da janela ganiram e rangeram de impulso. As persianas corridas debateram-se com a força violenta da revolta da ventosidade e com o mergulho aflito das gotas da chuva, enegrecida e sufocante de abrigo. Esta noite, ao uivar da aurora, os cães latiram a melodia do sufrágio da alma canina- a única expressão livre que os homens não abafam (por enquanto). Puderamos nós latir assim ao clamor da aurora e, por certo, dissipar a asfixia das opressões.

quarta-feira, outubro 26, 2005

- O alter ego do capitão-

Ele, que por caminhos desajeitados sempre soube a rota da sabedoria e sabia, por certo, rejeitar a perdição e o encantamento, viu-se desprovido de respostas plausíveis ao calor do corpo juvenil da mulher de saia branca, a quem o vento presenteava com cerimónias eufóricas. A brisa tornou-se ventosa e levantava a saia alva da ruiva, com lábios de doce ternura e fatigadas olheiras de insónia. Os sonhos cansavam-lhe os pensamentos, mas nem por isso o Garcia deixou de lhe prestar as honras de galanteio e os olhares romanescos de um Dom Quixote ternurento e enfadado com os pretendentes da bela. De adormecida nada tinha, mas deixava escapar um movimento sonolento cada vez que o capitão lhe oferecia um colo lisonjeador, mas atrevido.
Reza a mulher de contas negras, que a bela de saia branca e liga preta - farta em peles de peito e aprumada de pernas e ancas - não se deixou perder de amores pela frugalidade de um amor à capitão, que sem porto e guarida, vagueava itinerante pela rama, sem raízes. Mais conta a mulher de contas negras, sabida e envolta num véu rendado, que usava para esconder uma beleza casta, que a rapariga de saia branca se apaixonou por dom Liberto, o pescador, homem da terra e irmão do capitão.

segunda-feira, outubro 24, 2005

-Partida-

Não fales de voz lenta que o sentir já vem tarde. Não te enganes com as respostas aprumadas das perguntas estudadas. Os jeitos conhecidos. Os olhares semicerrados dos valentes calistos que encerram a mão no bolso do transeunte. A Serra estarrece lá no alto. Descansa em breves murmúrios de espanto aborrecido. E agora apenas podes mudar o vento que sussurra poderosos queixumes abalados. Agora apenas podes descansar na casta manha do lobo encoberto com voz de cordeiro melancólico, atenuado pela lua tombada.

segunda-feira, outubro 17, 2005

- O quarto de Júpiter-

Já passa das 4h da manhã. A sombra descansa na janela. O vidro esfumado está ressoado, porque a temperatura desceu efusivamente. O quarto, esse, permaneceu acarinhado pelo calor do olhar de Inverno tardio. Ele já sabe as novidades. Descansa na velha calma da aurora e na almofada conselheira de um gesto tardio. Chora!Chora!Chora! Sufoca! Encolhe o olhar ao escorrer da lágrima submersa. Evidente. Penetrante, que flui serpenteada, sem rumo, mas aliviada de sufocar. O quarto de Júpiter podia estar vazio. Mas esta noite está pleno de sentido.

sexta-feira, outubro 14, 2005

-Nobel da Literatura-

O teatro, as opressões (ou a tentativa de libertação), o monólogo, o constrangimento, as relações, a fobia, a claustrofobia, o significado do nada e o nada como significado. Estes são os grandes vencedores do Nobel da Literatura deste ano. Harold Pinter é assim. Não agrada a todos (ainda bem!). Deixa uma marca de fragmentação literária, cunhada pela anormalidade pós-moderna e uma esquizofrenia paliativa. Harold Pinter não é o placebo, é a neurose há muito atrofiada. Parabéns!

sábado, outubro 08, 2005

Estou mais além da solidão constrangida,

Que se perde no rosto do juízo terminal. Sem fé.

Infinitamente só e irreal.

Estou para além das querelas fingidas.

Do jeito fugidio da lobrigada investida da crença.

São vozes que se perdem cá dentro,

No recesso manietado da intempérie das palavras.

Fundem-se em querelas vorazes, sujeitas à inflectida

Cadeira judicial do tempo inflexível.

Imperdoável ao desleixo tardio, pueril e esquecido.

Não interessa. Deixa-se para além da mais crua certeza fingida.

Da realidade que não sente. Não sabe, não conhece.

Como se esquece! Como se retira da vida com o sonho.

Com a indemnização tardia de um sopro de pensamento que outrora superava.

Meretriz voz que o arranca à raiz insaciável, altiva, soberba!

Casta lividez! Como se o manto que enrola a pele tivesse algo de novo!

Fluência! Parte soprada pelos ares vencidos, tolhidos pela imensa estupidez.

Quando dobo os queixumes sei que estou mais além.

Para lá do isolamento brutal da insipidez. Sentes?

@ copyright Vanessa Rodrigues

sexta-feira, outubro 07, 2005

-Os delfins foragidos-

Há foragidos de guerra, do país, da polícia. Estes são foragidos de consciência, de dignidade, de bom senso. Mais: são delfins porque esquecem tudo que aprendem, permanecendo num constante estado de letargia, de estupidez contagiante, acrítica, lassa, pardacenta. Eles vivem no terreno virgem de ideias, profícuo em exercícios de reverberação; iniciados permanentes na sensibilidade e no limite da honra.
Toda a cidade, todas as ruas, todos os lugares são um vazio preenchido por balofos cartazes políticos de nada (passo a redundância: política já é nada) - desperdício de dinheiro, má gestão pecuniária; estupidez latente.
São estes delfins foragidos de si próprios, órfãos eternos do que podiam ter sido; privados do resto, tudo e nada.

segunda-feira, outubro 03, 2005

-Fabricadores de Sentimentos-

Ele perdeu-se em caminhos de encanto, rendido ao espaço exíguo do amor, instruído de ânsias e desejos por saciar.
Enaltecido, deixou-se emaranhar no novelo fugidio (volátil, incerto, inseguro, voraz, silencioso) do murmúrio aflito do segundo passado (com medo de o agarrar).
Dessa vez sorveu, lânguidamente, a melancolia submersa da nuvem passageira (que transportava a carga simbólica do suspiro).
E agora por que sussurram os homens, se a neve deixou de ter a frieza natural, para se apresentar como uma vontade dos fabricadores do clima?
Ele anseia pela mutação sincera de um outro elemento, na forma sensível dos afectos. Ele anseia que os fabricadores de sentimentos surjam com urgência para que não tenha de sofrer as intempéries da condição humana.

quinta-feira, setembro 29, 2005

-"Propaganda silenciosa?"-

Por esta altura já todos devem saber. Já todos devem ter reparado. Se não logo durante a manhã de ontem, foram obrigados a isso durante o dia. Os jornais diários portugueses (gratuitos e pagos) foram manchados de azul. O papel vestiu-se de tudo menos de jornal. Recusei-me a comprá-lo.
Recusei-me a pactuar com a vampirismo da publicidade. Recusei-me a alinhar com a degradação da informação que é cada vez mais publicitária e troco de uma publicidade que é cada vez mais informação.
Esta intoxicação (des)informativa, este esbater de barreiras entre o legítimo e o ilegítimo; esta mescla de símbolos, ícones e violências simbólicas que nos afastam cada vez mais do que é real, para se converter em propaganda vulgarizada; é corrupta (mas, infelizmente, consensual).
O mercado já não compra o nosso olhar, a nossa atenção: impõe-se de tal forma espontânea e gratuita que as nossas defesas, as nossas alternativas quedam, declinam ao limite da desumanização. Hão-de perceber porquê!

quarta-feira, setembro 28, 2005

Fera casta, amansada pelos ventos agrestes de choros soçobrados. Cria sincera, jubilosa de vida e encantada pelo doce enamoramento do primeiro sopro, até ao derradeiro suspiro.

segunda-feira, setembro 26, 2005

O céu quebrou-se em pranto agressivo, desejoso de ventos supremos que pudessem limpar as águas escorreitas que desciam sobre o abismo da Terra. Esqueceu-se das frentes quentes, que limpam, num ápice, os desejos serenos.

terça-feira, setembro 20, 2005

[Silêncio Infinito III]

Se o sangue dos ditos escorrer exangue de maldição,
Augura-se solidão perpétua conforme os ditames da esquálida voz que sai dos seus olhos.
É humano.
Deífico.
Talvez celeste, angelical;
Diáfano de gestos e sereno no respirar depois da vingança.
Delicioso prato frio que o sangue derramado acompanha.

sexta-feira, setembro 16, 2005

[Silêncio do Infinito II]

No silêncio da causa absoluta há um virulento, mordaz acicate que corrói as clemências do sonho. E por muito que se teime em sonhar, a pausa delonga a sorvida aspiração para a entregar ao cárcere da suspensão. Talvez uma não-vida sem espécie de retorno.

quarta-feira, setembro 14, 2005

Morrem as vontades desleixadas, voltadas ao impropério da ignorância e à injustiça das indemnizações da alma.

terça-feira, setembro 13, 2005

[O silêncio do Infinito I]

São ventos dobrados das ternas madrugadas
Que repousam nas áureas asas do infinito;
E retorquem ao vento as frinchas da sorte,
num silêncio absoluto de serenas confissões.

É aí. Bem alto. Na alta esfera do pensamento que a lassidão se perde.
É justo ao clemente sinal da devassidão mortífera que ele se solta, numa anátema escondida para prender a morte.

sexta-feira, setembro 09, 2005


[Duas torres/Tróia]: palavras compostas por imposição, legitimidade da qualidade do que é medíocre; implosão, festa, circo mediático, náusea, política cada vez mais degradante, cenário estupidificante.


- "in dicionário da vida portuguesa, 2005 ª edição revista e piorada"-


quarta-feira, setembro 07, 2005

O senhor Júlio fechou a mercearia mais cedo.
O Juca deixou a Gigi no shopping com o aviso habitual: "Vai lá 'mor. Vê se não gastas muito dinheiro. Volto daqui a duas horas".'
A dona Cândida acabou as lides da sala mais cedo, porque dentro de minutos aquele espaço transformar-se-ia num santuário de homens, frente ao santo televisor.
O André faltou à aula de música, à aula de natação e foi-lhe desculpado não pôr a mesa. "Vá! Por hoje passa".
A Celeste recebeu beijos apressados. O namorado hoje não abusou da sorte. Não lhe pôs a mão nas pernas a pedir mais qualquer coisinha.
O Garcia fingiu uma enxaqueca forte, para poder sair mais cedo do trabalho (mais tarde viria a saber que os colegas foram dispensados para sair meia hora antes). Afinal era o santo futebol. Era a Selecção. Há que ter tolerância.
Pois é! Só é pena que Portugal não páre. Não se indigne. Não refute os resultados com os árbitros da política- da gestão do país, do rumo desnorteado- quando o tema é a calamidade dos incêndios. Nessa altura, Portugal vive a vidinha pacata. Não se exalta. Pena é que o mais importante não páre o país, por um minuto que seja.

terça-feira, setembro 06, 2005

Atrofio a segurança da incertza e a insensibilidade da injustiça. Passo bem as escolhas sensatas. Hoje ninguém me disse que o silêncio do mundo não é a ausência de som, mas a hiprocrisia e a cegueira colectiva. Pensei-o!

domingo, setembro 04, 2005

Ele bem lhe disse que a certeza do olhar era um abismo infundado por que respiram os loucos, em noites vadias de álcool e visões obtusas do universo do amor.

quinta-feira, setembro 01, 2005

Durmo nas calhas perdidas sacadas pelo tempo. Nos murmúrios venturosas das margens do rio. Na quietude perdida do ferro oxidado, justificado pela degradação e a justeza de um aperto de mãos. Durmo escondido no túnel da memória. No atrofio fugidio de uma balada mal ouvida, esquecida (talvez ansiosa de uma pauta musical, onde a clave passe a ser a de Sol e não a da Lua sombria). Durmo refugiado no teu abraço distante, na quimera saliente que o sonho acolhe no bolso da esperança. Durmo estendido, entregue à forma do relógio incessante, saboreado pela passagem recordada que as mãos abafam para suster o grito.

terça-feira, agosto 30, 2005

[Conversa do tempo]

Hoje está sol. Chuva, nevoeiro, frio, vento, brisa agreste, agradável. Eu gosto assim. Ás vezes não. Outras vezes assim, assim. Mas tem de ser! Resume-se à existência. Vida leviana, como o tempo. Instável, inseguro e propenso a doenças. Constipações. Acthim!Cof, cof! Alguém tem um lenço?...de papel. É que hoje está encoberto e não dá para grandes aventuras com o vestuário. Mas mais que o acaso, particularidade meteorológica, o tempo é conversa de circunstância. É o tema mais abordado, recalcado, falado, esmiuçado quando não se tem conversa. Quebra o gelo, literalmente! Acende a temperatura de um diálogo esmorecido, onde o silêncio pode ser mais do que constrangedor- intimidador. (Talvez nunca mais se volte a falar com essa pessoa de circunstância onde o tempo foi a tábua de salvação)... O tempo é disciplina nacional. Tema milenar talvez. Será que na Antiga Grécia ele merecia horas de destaque no fórum? Hoje bate os recordes de conversa evocada. Falta, pois, uma tese sobre as condições da atmosfera e a influência nas conversas humanas...

sexta-feira, agosto 26, 2005

-Para esquecer-

Não esqueci a virtude do encantamento e a certeza da areia tardia que rasa os pés dançantes. Não esqueci o fervoroso véu da melodia que salpica o silêncio e se faz belo num pinheiral ventoso (há magia?). Não esqueci a calma do mar quando envolve as gotas restantes de uma vaga envolvente, salgada. Inebriada de sal e vaidade. Quero, sim, esquecer as solicitações de um mundo exterior, degradado, envelhecido e maturado pela filosofia da estupidez e o passadiço fulguroso da massificação. Quero, sim, sem dúvida alguma, esquecer - não lembrar- que este país parco em ideias, embriagado de injustiças, estonteante de ânsia de nada, existe. E por muito mais que se critique, avise, alerte, aponte o dedo: a cegueira colectiva, inoperante, assiste ao desaparecer de um Portugal verdejante. Sim, quero esquecer. Cansei-me de lembrar!

terça-feira, agosto 16, 2005

Diz-se que as verdades são balelas dos fragmentos sociais que ousamos reconhecer como parte integrante de um contexto. Eu digo que as verdades são certezas infundadas, puras opiniões. Pontos de vista irredutíveis que podem não ser a minha realidade; apenas elementos baseados em factos verídicos.

-O fim do luar-

Ele roubou-lhe um olhar furtivo quando a lua se preparava para brilhar de esguelha, por entre as estrelas celestes, teimosas, insinuantes e convencidas de plena beleza. Só que se esqueceu de lhe dizer. Não falou do amor, determinado na certeza da intuição. Ignorou o facto de ela, teimosamente, vaguear sozinha por entre as baladas sombrias do luar sem aviso, nem tino que se sugira. E agora ela queda-se assim, tristemente, sentada na berma de um passeio sem brilho, nem reflexo fugidio que possa contar à lua o mal de que padece. Reza a lenda que foi o fim do luar. O término secreto de um mito vazio.

domingo, agosto 14, 2005

-Conto de outrora-

O Garcia chegou da rua com cara de caso. Nem o cigarro apagara e sujava agora a carpete envelhecida com a última cinza que caía da beata. Ao fundo da casa, a mulher berrava de desespero porque o forno avariara, novamente, e o rosbife nem sequer começara a gratinar. Também já não havia gás e aquele jantar estava na iminência de ter como prato principal uma discussão entre marido e mulher.
Rezingão, cabisbaixo e desalentado o Garcia disse, quase em surdina, que já tinha chegado a casa. Mas o tom de voz, nada audível, não chegara ao conhecimento da mulher que ficou toda a noite à espera de um marido que já estava em casa. O Garcia, esse, adormeceu no quarto degradado sem jantar. A mulher, a tal, saiu para casa da mãe, onde passou a noite em penitência por um casamento que nunca dera certo.

quinta-feira, agosto 11, 2005

O luto florestal

Não aprendemos nada! A verdade é que o ser humano sofre de uma terrível incapacidade de coordenação de prioridades e de uma lacuna cabal de actuar com eficiência. Ou melhor será dizer: os portugueses sofrem desse estúpido defeito que põe em causa a biodiversidade, a qualidade do ar, a vida dos outros. Tudo! As florestas estão cobertas de um luto interminável. Ardidas. Esquecidas. Dezenas de pessoas estão sem casa. E agora, ao fim de décadas cientes do mal de que padece o país, o Governo fala em plano nacional de emergência para prevenir e combater os incêndios. (Vem tarde e inconvenientemente!)
Custa-me pensar e constatar que só depois do roubo do fogo é que os portugueses resolvem comprar as fechaduras necessárias para travar esta desgraça. Não digo mais vale tarde que nunca porque esse argumento é inadmissível. Como é possível que nada tenha sido feito? Como é possível que ao fim de cinco anos o panorama das políticas de actuação relativas aos fogos não tenha mudado? Sim, esta estupidez calamitosa, funesta, podia ter sido evitada. Não venham com balelas e exercícios de retórica. Não me convencem de que era inevitável as florestas vestirem-se de luto este Verão. Afinal de que vale avisar? De que vale perder tempo com a diversão das cadeiras dançantes da política nacional? Meus senhores façam-me o favor de serem eficientes e, mais que isso, responsáveis pela situação actual. De que vale escrever cartas ao Governo? Advertir? A mim não me valeu de nada. Demito-me da participação política para expressar o meu desejo, mas apenas a minha consternação pelo egoísmo vigente.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Mediocridade#1

Na televisão já nada me espanta. Raras são as vezes em que a ligo. Quando ela já está ligada em minha casa, às vezes sou obrigada, por escassos segundos, a interpretar as imagens que chegam até mim. A verdade é que, ou não tenho muita sorte com as emissões, ou já não há oportunidade que valha a pena dar à caixa que mudou o mundo (pela negativa).
Hoje foi assim: O ecrã mostrava a SIC Radical. Sim, aquele canal alternativo! Mas está visto que alternativo nunca foi sinónimo de pedagógico. Confesso que ainda aguentei - entre uma tarefa e outra no computador - uns dois minutos de emissão em directo de um programa do canal. O que aprendi? Parece que realmente não era para se aprender nada. (Talvez desaprender, inversamente!) Esses dois minutos foram gastos com os apresentadores a simularem um enxerto de porrada aos "cameramen" da emissão. A acompanhar, um som característico de onamatopeias de desenhos animados simulava as investidas de murros, pontapés, beliscões, etc. E assim passaram dois minutos de emissão ininterrupta de mediocridade. Potenciem-se outras cenas assim, multipliquem-se as dezenas de programas do género e temos mais que Portugal sentado a assistir a isto. Temos Portugal hipnotizado pelos pontos mágicos das ideologias ocas.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Sabes que o silêncio é um tenaz companheiro do sonho que trespassa a memória? Pudera a voz calar a ausência de som com um simples sopro de impaciência, para que o justo pecador se prostrasse diante do altar com a malícia do erro.
Se o olhar espalhasse a verdade e se o fervilhar do corpo denunciasse a brandura que os gestos perdidos ensaiam ao entardecer, e tu não poderias sequer ousar responder com o silêncio. A sombra não delata. Os passos não caminham para justificar o pedido da mente em esquecer o caminho que trilharam. Ontem o manso caminhar dos dedos pelo teu corpo saliente, recolheram o travo amargado da doce impaciência do amanhecer. Talvez quisessem falar de silêncio numa língua paulatina que só o corpo compreende.




















Praga, Setembro de 2004
@ fotografia Vanessa Rodrigues

domingo, agosto 07, 2005

-A invasão dos bichos-

Primeiro foi um sapo verde que nos invadiu para falar de Internet e rapidez. Depois foram as inúmeras figuras fofas nipónicas, vestidas ao sabor do arco-íris., que povoaram o cenário publicitário por uns tempos (pois é, já ninguém se lembra)! Agora é aquele anúncio nojento para falar de cabelos oleosos, secos e por aí fora.
Os bichinhos fofos, nojentos, insinuantes povoam o espectro social da mesma forma como respiramos, andamos, dormimos. Fazem parte da onda "cool" e conquistaram o dia-a-dia de quem usa as ferramentas de Internet, novas tecnologias, publicidade.
Há um outro bicho nos "outdoors" da cidade: um outro sapo, com uma mescla transfigurada de ET para anunciar um cd qualquer. Há também um browser com o ícone de uma raposa; e uma infinidade de outras possibilidades que fazem deste quotidiano uma rede "zoológica" para tentar perceber, afinal, em que mundo é que vivemos! Que bicho seremos nós neste turbilhão?

sexta-feira, agosto 05, 2005

[País Assim?]

Ninguém percebe que ou agimos agora ou não restará um único espaço verde, uma única floresta, ar respirável, recursos hídricos, ambiente sustentado (já nem nem digo sustentável neste curto prazo) e disponível, renovação de ar, ciclo de vida animal, alimentos saudáveis, higiene? Será que ninguém percebe que ao ritmo que ardem as florestas não restará nada? Será que ninguém percebe que tudo está afectado se não agirmos agora? Os problemas respiratórios estão em ascensão. O ar está saturado e o oxigénio escasseia. Estamos a assitir a tudo isto com a passividade desleixada ao ler as manchetes nos jornais, ao ver as imagens na TV, ao ouvir as notícias da rádio e as baboseiras dos políticos e outros representantes que perdem tempo com a dança das cadeiras mediáticas. Urge fazer alguma coisa! O combate e prevenção de incêndios tem de ser uma das prioridades nacionais. Agora!

quinta-feira, agosto 04, 2005

-Finalmente Metro-

Trinta e cinco minutos é o tempo que o Metro me poupou. A baixa do Porto está agora a vinte minutos de distância de minha casa e não há dúvida que o nível é outro. Cessaram as filas de autocarro, a confusão e empurrões, o trânsito, a poluição do autocarro, as dores de cabeça pela mulher que reclama um lugar para se sentar, porque os jovens isto e aquilo e no tempo de Salazar é que era tudo muito bonito. Evitam-se outras balelas do género. Evitam-se os solavancos das ruas. Será que estamos a ficar mais civilizados? (Não isto não acredito, mas que a ponderação de quem viaja de metro é mais serena do que quem viaja de autocarro, isso é verdade!) Em cinco minutos a Senhora da Hora avista-se, quando no passado meia hora era o tempo médio. Lemos mais, passeamos mais, poluímos menos. A verdade é só uma e a que posso enfatizar é : "Finalmente Metro".

terça-feira, agosto 02, 2005

-Tributo pel"O Comércio do Porto"

É estranho e ao mesmo tempo um sinal desta sofreguidão competitiva e desmazelo pelos valores de um grande jornal de índole regional. É impossível que termine, assim, de repente. Uma empresa quando está para rodar a fechadura derradeira não expele de uma vez por todas os funcionários. É uma decisão paulatina. Com despedimentos vagarosos, que indiciem uma crise anunciada. Há anos que os rumores falavam de uma crise. Mas, foi tudo muito rápido. Está a ser tudo demasiado "limpo" e a cumprir um "pro forma" que não existe em Portugal. Não existe em lado nenhum!
O Comércio é um jornal peculiar, como todos os grandes jornais. Para além dos excelentes profissionais que tem é uma grande escola de jornalismo e onde se aprende a domar algumas feras. Ele é especial. Incisivo. Tem uma particularidade de equipa que a maior parte das redacções já esqueceram: a reunião diária de agenda, de jornalistas.
Aqui aprendi muito e ensaiei os primeiros passos para um amor que se revelou cedo difícil. Mas mesmo assim não desalentei com os sacrifícios, as horas a mais a trabalhar, os muitos serviços que me marcavam para além das voltas para os casos do dia (ali leva-se mesmo a sério esta informação!). Aprendi que afinal teria de engolir muitos sapos (para toda a vida, mas sem nunca expressar o sapo que me entalava). Passei por aquela casa durante cinco meses. Muito trabalho. Muita aprendizagem! Foi alucinante! Foi bom! Passei as minhas férias de Verão a ir à polícia, a sair em reportagem, a propor trabalhos! No final, fiquei com uma nostalgia incrível e com a certeza de que a imprensa tinha outro sabor.
Saboreei a antiga redacção, onde a agenda era um cubículo bem ao fundo da sala e o sol inundava os "macintosh" multicolores. Foi no Comércio que a minha base se fundou. Onde aprendi mais para ter a bagagem que hoje tenho. Onde sedimentei raízes para hoje colher e continuar a aprender. Foi lá que percebi o que era fazer manchete! Foi lá que escrevi sobre tudo!
Todas as redacções têm um cheiro especial e a do Comércio cheira a fresco, a mudança mas ao mesmo tempo a força, a coragem. Estou triste, contudo simultaneamente desejosa de que todos aqueles que fazem o Comércio não desalentem e continuem a dar cartas do excelente profissionalismo!Quero voltar a vê-lo nas bancas, nos quiosques, onde desde Domingo há um vazio por preencher!

segunda-feira, agosto 01, 2005

(Porta de Babel)

Império justificado pelo mito da palavra. Pelo fervor da fantasia como Atalanta perdura nos ecos de estórias não contadas, sonhadas, encenadas na nossa mente, expectantes por um momento que desencadeie o sonho. Eu anseio por uma porta de Babel. Por uma entrada que me leve para além do presente sabor a realidade e me carregue pelas frinchas para outro lado. Que me transporte pelas fendas frescas do tempo e me quede numa quimera de sol de semblante mais que luzidio: apaziguador. Anseio pela chave dessa porta; anseio por quem cinzele o ferro giratório de formas indefinidas que ama a fechadura da passagem para outro corredor. Talvez por encanto, a Porta de Babel se deixe seduzir. Se deslumbre, encantada, com a macieza do toque majestoso dessa chave impremeditada.

sexta-feira, julho 29, 2005

-IRA-

A ira declina na Irlanda do Norte. Enaltece-se a pacificação. É verdade, a palavra ira é uma excelente metáfora para falar de deposição de armas.

quinta-feira, julho 28, 2005

-Ensaio sobre a realidade-

Esgotamento de recursos energéticos porque a cultura da poupança não figura do dicionário de valores lusitanos. Seca extrema e culturas estragadas. Pobreza, condições infra-humanas de sobrevivência para muitos portugueses, aldeias sem saneamento básico e sem electricidade, entregues ao abandono. Insucesso escolar; iliteracia com percentagens irrisórias; trabalho precário; falta de água; indústria farmacêutica em guerra e senhores da suposta eficiência e gestão do país, preocupados em polir o púlpito da retórica com improdutivas palavras tecidas para entreter. Esqueça-se os reality shows, veja-se Portugal em directo e facilmente se perceberá quão hilariante são os meandros da realidade. Neste mundo, neste país, Saramago é profeta e não se enganou nos previsões. Para quando outro ensaio sobre a realidade?

quarta-feira, julho 27, 2005

-Impunidade-

Sim o cerco está apertado!É verdade que o terrorismo, as ameaças à vida, as pressões psicológicas e as cisões radicais são uma realidade que temos de aprender a integrar nos nossos pensamentos. Há uma série de sonantes "doenças" pós-modernas, conceitos contemporâneos, fabricados pela ganância e a usurpação da identidade que somos obrigados a engolir diariamente. Mas eu pergunto: e as acções dos "justiceiros", as mortes de vítimas inocentes quem as pune? Quem assume a responsabilidade? A Scotland Yard matou um indivíduo que nada tinha que ver com o caso. Há muitos outros sacrificados que desconhecemos. Quem é o responsável? Há impunidade? Já ninguém fala nisso. A imprensa silencia. Essa terrível, tirania de alimentar a memória curta e o esquecimento. Demito-me deste mundo de impunidade, injusto e galardoado com o prémio da leviandade incorruptível.

terça-feira, julho 26, 2005

-Um Mundo Assim-

Enquanto a peleja salta da OTA para o TGV, do TGV para a OTA, perdendo-se por vezes em meandros de disputa sobre a Presidência da República, em guerras orçamentais e divagações sobre "a melhor forma" (e mais mediática) de gastar dinheiro, o mundo padece. Enquanto a birra persiste, o tempo gasta-se e há mulheres no Afeganistão que são perseguidas para a morte. Enquanto isso, há jovens sinistrados a viver em lar de idosos porque os papéis legais caducaram. Enquanto isso, os idosos não têm carinho, apenas rejeição. Enquanto mais que isso, há coisas que quero lembrar como mais importantes, mas que não cabem neste minúsculo blog.

quinta-feira, julho 21, 2005

-Espanta Ladrões-

Há um taipal de obras nos subúrbios desta cidade que julga ser o arauto da repelência ladroeira. De forma directa, incisiva e pueril, o respectivo painel dirige uma mensagem de sensaboria que deixa, em quem a lê, um ar de riso fingido, mas de bom humor. "Senhores ladrões, aqui não há nada para roubar". Ora aqui está uma boa fórmula, pintada a spray, para decorar o exterior das nossas casas e -quem sabe- convencer, assim, os ladrões da inglória investida em casa alheia.

terça-feira, julho 19, 2005

(-Requiem pelo tempo-)

Corre, fugaz, electrónico, incessante. Nós...A chave da poupança do tempo roda a fechadura: supermercados com serviço porta-a-porta; telemóveis que fazem tudo (o que lhes falta adicionar? sentimentos?); shoppings; "fast-food"; Tv-interactiva. Não percamos tempo para ficar ainda mais sem tempo para as coisas mais importantes: sentir, respirar, ver, parar....o silêncio....

-Ver para crer!-

Sim a TV é alarmista. Ok, a TV é sensacionalista, mentirosa, coerciva mentalmente e pornográfica. Mas há um mínimo e a consciência existe. Racionalidade? As últimas notícias falam do furacão Emily e das ameaças emergentes que surgirão na zona do Golfo do México. Mas (claro está) mesmo assim o bom português (tal como aconteceu com o Tsunami) não cancelou as férias para a costa mexicana, ele não só vai de férias para ser sacudido pelos ventos fortes, como também vai ver para crer!

segunda-feira, julho 18, 2005

-Lucrécia Imperial-

Deusa da sedução. Exuberante ao delinear o véu, cobiçada pelo olhar fulminante da paixão. Lucrécia, a imperial, veste-se ao som da harpa do jovem tocador pueril e apaixonado, enquanto as aias lhe penteiam os longos e sedosos cabelos castanhos, perfumados com água de rosas. Lucrécia hoje ainda não enriqueceu o ambiente com a sua voz cadente e embriagada de sedução. A deusa sedutora hoje, especialmente, é vestida calada, como se um feitiço lhe tivesse sido lançado. Lucrécia esqueceu-se da abnegação e reza história que a deusa do encanto se quedou apaixonada.

sábado, julho 16, 2005

-Volta Bárbara, estás perdoada!-

"A Bárbara é uma excelente lisboeta. Ela não merece estas coisas. Oh, Bárbara nós gostamos de si!" Depois deste desabafo público de um reputado político (não são todos ironicamente mediáticos?), a semana passada, só faltava mesmo pedir-lhe: "Volta Bárbara, estás perdoada!".
A verdade é que eu não me queria fiar no que a TV mostrava e a rádio difundia. Um elogio de personalidade à Bárbara Guimarães, para desculpar a polémica da campanha de marketing político do Carrilho? Agora percebo porque é que não existem atestados de incompetência, nem profissionais credenciados que os possam passar: o país não existiria!

sexta-feira, julho 15, 2005

[-Opinião Pública-]

"Eles parecem putos mimados a pedir dinheiro e a fazer birra porque não lhes dão. Isto assim não pode ser! Não sabem governar! Quem dera a muita gente ter as oportunidades que eles têm e eles ainda vêm com estas 'mimalhices'. Minha Nossa!". Palavras da "Dona Lucinda" às 9h no autocarro sobre o comportamento da classe política

quinta-feira, julho 14, 2005

-Papa Shoppings-

Dizem que a crise está instalada. (Ai sim?) Que vivemos a época macabra da recessão, mas eu ainda não vi os portugueses a apertar o cinto. Ainda não vi a poupança. A avaliar pela compra desenfreada e pela maratona aos shoppings para sugar as promoções diria que o país está bem de saúde e recomenda-se. (Pois, eu sei, as eternas aparências!) Há quem tenha corrido os shoppings todos à procura das melhores reduções. A febre das promoções faz destas coisas, elouquece a mente humana. Ou será a lavagem cerebral do marketing? As lojas têm estado à pinha; quem vê de fora parece um combate de formigas (pouco trabalhadoras) - mas esforçadas em conseguir o melhor trapo.

quarta-feira, julho 13, 2005

"Para lá do tempo sobra tempo"

São jeitos desengonçados e queixosos de excelência. São trejeitos sugestivos que se escondem atrás da porta envelhecida, saturada pelo tempo e sorvida pela moda de outrora. Já a sombra se deita por detrás do muro. Já não se vê a nuvem cinzenta que a floresta amansou. Hoje já não se respira o suor das chamas e a poeira das cinzas. Hoje, se houvesse mais tempo, uns momentos que fosse- talvez por uma eternidade, (talvez!) - o homem que luta contra o fogo não tinha perecido ante o poder das brasas demoníacas.

terça-feira, julho 12, 2005

(-Regaço silencioso-)

Se o fio de luz acalentar as tréguas que levas no teu regaço, não ensaiarás um olhar desafortunado, nem calarás o silêncio que teima fechar-se na tua intimidade. Se o fio de luz puser a descoberto o teu sereno sorriso, não mais precisarás de justificar a tua chegada com um mau humor entrelaçado em desalento. Se por eventual fortuna um fio ténue de luz celeste abjurar o teu perfume confessarás, por fim, em voz tremida e titubeante, que o regaço que acabrunhas respira de sossego aos primeiros raios da manhã.

sexta-feira, julho 08, 2005

"Maldito seja quem atirou uma maçã para o outro mundo. Uma maçã, uma mantilha de ouro e uma espada de prata. Correram os rapazes à procura da espada, e as raparigas correram à procura da mantilha, e correram, correram as crianças à procura da maçã".
Herberto Helder, "Se houvesse degraus na terra..."

quinta-feira, julho 07, 2005

-Pedra Esquecida-

A pedra benevolente caiu sem amparo num charco de promessas e gotas descontentes. A pedra seguiu ferida, velha e entristecida, no segundo em que suspiraste. A pedra, essa, calma e entontecida - ainda delirante pela queda de rompante - seduziu a corrente, perdeu-se em pedaços e seguiu esquecida pelo sono para sempre.

quarta-feira, julho 06, 2005

(-Permanece a vaguear-)

Ao jurar-me de encanto um sereno castigo, os olhos esbugalhados não mentiram com decisão, mas timidamente. Levou com ele o leito do conforto e o ar apagou uma réstia de verdade. Perdeu-se no trilho. Não encontrou indicação de regresso. Por lá permanece, ainda, a vaguear.

terça-feira, julho 05, 2005

-#Horizonte quente de embalo#"

Encantam-me os pedaços de nuvens assim desprendidos. Seduzem-me as colinas da aurora, que seguem o rumo das cores de insónias. Já me perdi no doce cheiro das folhas frescas, orvalhadas pela manhã que desperta os ramos majestosos das árvores. Deliciam-me as negras calçadas humedecidas pelas lágrimas do sono e hoje encantei-me pela ternura do pôr-do-sol que se despediu com um laranja pardo no horizonte quente de embalo.
"La beauté est un vice, merveilleux, de la forme".
César Moro, Amour à mort

[-Desperdício de papel-]

Será que os valores da literacia subiram? Os portugueses são mais cultos? Ainda é cedo para avaliar, mas os jornais Destak e Metro são a literatura que mais se vê - e lê?- (por imposição do ardina) debaixo do braço dos portuenses pela manhã. Ainda bem que se lê (?) mais, mas o lado perverso é flagrante. Por imposição do papel gratuito, o Destak e o Metro são também a lixeira das ruas. São também os restos que mais se vislumbram nos passeios, na calçada. Quem querem os portuenses pôr assim a ler?

segunda-feira, julho 04, 2005

-Sol de Estio-

Se o homem de casaco de Inverno voltasse agora em tempo de Estio, não estranharia os vendavais da floresta; não acharia estranho o sol tímido que boceja no céu e anseia um sono. Se o homem de casaco de Inverno, se sentasse na cadeira do jardim, não suspeitaria das flores que explodem em cores sombrias, porque o nevoeiro da insónia ocultaria esta ocasião encoberta. O homem do casaco de Inverno voltou. Bebeu café ao entardecer e pensou que o frio voltara à cidade. Desalentado, o homem, caminhou pela rua ao relento, para procurar a mulher de saia rodada que costuma entreter o tempo nesta altura. Acabou por a encontrar. A mulher de saia rodada, perdera-se na estufa do tempo fabricado; esquecera-se do sol, do calor e dos cheiros estivais. Está agora em reabilitação intensiva.

sexta-feira, julho 01, 2005

-Serviços da Tecla-

Talvez o texto anterior que aqui publiquei (Largo da Peripécia) se tenha vingado contra mim. É, pois. Quando, logo após o ter publicado, constatei que "Largo" estava escrito com "d" em vez de "g", tentei imediatamente corrigir a gralha. Pois bem: tentei...e não consegui, ou melhor, mudei uma, duas, três e quatro vezes. Resultado? Nada de mudanças. Quando actualizava a página lá aparecia a gralha.Peripécia? Não..Desconfiguração do teclado..em vez do "g" estava a assumir o "d". Já mudei os serviços da tecla...Recomenda-se!

[-Largo da Peripécia-]

É uma espécie de canto de gentio que serve de confessionário a todos os que respirem as agruras de uma cidade desgastada e não sabem a quem contar as peripécias de uma lide diária. O Garcia também lá vai todos os dias. Chega até a frequentar o lugar de expiação três vezes num dia. Mas esse homem de ar escorreito e transbordando pecado (dizem que o galanteador concede a perdição gratuitamente) vai ao Largo da Peripécia por outras razões. Esse homem de olhar astuto, perna delgada e respirar ofegante não tem veia religiosa e muito menos paciência para a hipocrisia das beatas. A seu modo, professa uma religião altiva, pouco redentora, mas só dele. Quis a sorte que nos últimos tempos ele ande mais circunspecto. O Garcia vai ao Largo da Peripécia para subornar os encantos singelos da mulher que lê Montálban sentada na relva. Parece que a doutrina da sedução o tramou numa meia tarde porque o Garcia anda mais devoto e menos pecador. A mulher de gestos finos e dada à leitura olhou-o de esguelha da outra vez. O Garcia enamorou-se e nunca mais voltou ao Largo da Peripécia. À mulher, nunca mais a viu.

quinta-feira, junho 30, 2005

-Silicone e Poder-

Tem muito, muito poder! Pode e pode muito! Move amores, desamores e, claro está, delicia os aprendizes de políticos e sacia os desejos de ardor pela cadeira absoluta do "tacho". Ora bem, por este andar os traços corporais (já se sabe) e o silicone são a sacrossanta receita infalível do Partido Popular Monárquico (PPM) para esta nova temporada. Na corrida às autárquicas a lista já inclui Elsa Raposo, cujos atributos físicos são conhecidos; já quanto ao mérito intelectual, parece que a pequena se demitiu desse ramo logo à nascença. Pois bem, os dinossauros do PPM já lançaram as invectivas explosivas, mas quem anda deliciada com o insólito (como sempre) é a imprensa cor-de-rosa. Elsa Raposo está apontada para a edilidade de Cascais. E como não há duas sem três, quem sabe se a dona não dá provas de fazer subir os votos do PPM, depois de ter feito subir as audiências num programa sobre sexo, onde já se sabe, provoca outro tipo de elevações.

-Uma nova família-

O Canadá liberalizou o matrimónio homossexual. A Espanha é, desde ontem, o quarto país a aprovar essa mesma lei de matrimónio. O Congresso dos Deputados aprovou a modificação do Código Civil e os votos a favor da reforma foram de 187 contra 147. Na prática, a reforma recebeu o apoio de uma maioria absoluta. Sinais dos tempos? O Pós-Modernismo em ascensão a caminho de uma nova família.

quarta-feira, junho 29, 2005

-Cartaz de rua-

"Super Erótica". Não há que enganar. O show promete sensualidade, corpos nus, seios fartos e a descoberto. O cartaz está desde a semana passada nas ruas- disse-me um amigo- mas só hoje reparei nele, depois de um homem de idade avançada, sem pudor e à-vontade, se quedar em frente a ele uns bons cinco minutos. Ele movia a cabeça, olhava e lá imaginava as fantasias que poderia ter com um mulherão daqueles. Talvez no fundo pensasse: "Ofir? Pacha? Deve ser longe. É pena a paróquia cá da terra não fazer excursões para esses lados. Sempre teriam mais inscrições do que a peregrinação à Terra Santa".

terça-feira, junho 28, 2005

-Chuva de Verão-

Saia rodada, camisola e casaco de malha em azul turquesa e sandália da moda, a mulher desliza pelo passeio como numa passarela. O tempo não está para roupa fresca, embora a estação assim o queira dizer. Saíra de casa, certamente a contar com um dia de verão fenomenal, e queria mostrar ao mundo a roupa nova. Saiu-lhe na rifa um dia de chuva, piso molhado e a roupa ficou ensopada. Escorregou e, por momentos, pensei que ia cair. E eu sem poder fazer nada, tive como divã o assento do autocarro e como ecrã o grande vidro do transporte público. Para recato da mulher, só eu me terei apercebido do espectáculo.

segunda-feira, junho 27, 2005

"Acasos díspares" [-Parte 1-]

Quando abriu a janela foi como se o mundo respirasse o mesmo ardor que o quarto de bafo emproado transpirava. Abriu os olhos com timidez, porque a luz extenuante ainda lhe feria o estado de recém acordada. Apartou a cortina. Inspirou a manhã e confessou-lhe a noite mal dormida, os sonhos involuntários e o revolver inquieto que por dentro lhe moía a boa disposição. Deixou-se estar. Viu o vento a roçar as folhas do castanheiro. Olhou as pedras a rolar e, por um momento, pensou no dia desmesurado que a embalava pela manhã.

domingo, junho 26, 2005

[-Este pensamento sou eu-]

Este pensamento sou eu, ao redor da manhã. Este pensamento sou eu, na neblina do céu. Há um pensamento que é meu, liberto de mais ninguém. Mil pensamentos lá vão, num sôfrego pensar. Este pensamento sou eu, na camada da aurora que me arrasta a sonhar.

terça-feira, junho 21, 2005

-Saliva Sem Sabor-

Hoje os cobertores dormem na relva do Jardim da Praça da República. O despertador inicial é a luz da aurora que penetra no sono. Horas depois o alvoroço citadino manifesta-se por entre o alcatrão. Os passeios enchem-se de gente. Os semáforos agudizam um som estridente. Buzina-se. Calcorreia-se a areia do jardim. As aves esvoaçam. O vento sopra, queda-se. A humidade mescla-se com o calor. Está abafado e o ar bafiento. Ainda dormem os cobertores no jardim. Por ora ficam por lá. Ainda não é hora de levantar. Quanto tempo mais sonham? Com o que sonham? Ficam por lá. Os cobertores têm poeira; entre eles alguém se enrodilha todos os dias. Não dormem, silenciem, por horas, a dor da saliva sem sabor.

terça-feira, junho 14, 2005

|-Mediocridade Condecorada-|

Mil e uma vezes condecorada. Sete vezes multiplicada por nada, somada a discursos balofos e palavras sem sentido. Mais: no limite é justificada por frases inócuas, uma imagem trabalhada, cuja inteligência esperta (e sabida) sacia as delícias de um público delirante, extasiado. Eis o vedetismo que a Televisão enaltece. Eis a sensaboria displicente e fugaz que a imprensa “light” (que ofensa!) privilegia. Depois, no extremo, eis as vozes extenuantes, carregadas de nada, de discursos miméticos e pouco eficazes (ofendem os exercícios exímios de retórica). Agora o nosso campo visual vive invadido de pequenos nada que nos assaltam, de repente, tão plenos de mediocridade: spots publicitários, cartazes, revistas, moda, TV. Pois bem! Um puto com dentes tortos (perdoem-me o dinheiro tudo trata!), estilo “gringo” mal vestido (mas de marca), gestos brutos e com uma leveza espontânea "não-importa-o-que-diga- o-gajo-é-vedeta" é o protótipo do comércio livre com sucesso. Satisfaz as vontades do marketing. Sim, falo de todos os Cristianos Ronaldos que nada têm a dizer mas para quem o tempo de antena social não tem limites. As miúdas ficam em delírio (o rapaz ficou célebre depois de ter tirado a camisola num jogo de futebol) e já não sabemos onde colocar a cabeça de avestruz pela mediocridade que é, a cada minuto, condecorada. Viva a ideia sem conceito e o valor sem ideias!

quinta-feira, junho 09, 2005

-Quarto de Hotel-

Depois de atravessar a porta corre um ar trespassado pela fila de aromas que o povoaram. Sempre achei curioso um quarto de hotel. Que histórias as paredes poderiam contar? Que sussurros inseguros soprariam assim de rajada?; talvez sôfregas para encontrar uma linguagem que pudesse desmistificar o segredo. Gostaria de contar uma história dessas (talvez duas; porque não três ou aquelas que encenarem um final melhor). Pois e se nenhuma tiver tido sequer um início? Não seria grave. Ficaria adocicada pela almofada terna que corresse por ora e me enrolasse num capítulo. E quem sabe, sem o saberem, muitas dessas histórias falariam de mim ou do tempo das folhas que mudaram com a estação...

segunda-feira, junho 06, 2005

|-Vida de Rua-|

São desconhecidos. Mesmo assim vejo-os muitas vezes. Levam vida de rua, de calçada, de relento cunhado pelo relógio do desgaste. Hoje ela tinha um lenço na cabeça à pirata (vermelho riscado com branco) e um gancho a prendê-lo, não fosse o vento levá-lo para longe. Um bocejo profundo falou-lhe da vida e marcou-lhe ainda mais as rugas; as marcas que denunciam o desgaste. Há num olhar um redobrado sentido. Depois, distraiu-se com o nada e pôs-se a pensar! Até que retomou o discurso para que alguém lhe desse "qualquer coisinha" para o dia. Arranjou o casaco riscado com, branco de malha, que contrastava com a camisola amarela bem justa ao corpo. As calças eram balofas, os sapatos maiores que o pé. Mas a única coisa que não se ajustava eram os sonhos que teria ainda por viver. Pois! Eu sei que quando ela se pôs a pensar em nada, procurava pensar num sonho que nunca teve...Podia ser o dela, quem sabe não seria o meu!

sexta-feira, junho 03, 2005

"A Europa estala"

Os boatos diplomáticos já o prediziam. A conjuntura adiantava o prognóstico. Os desentendimentos e desalinhos políticos já se ouviam nos corredores das instuições europeias. O Tratado Constitucional é o tendão de Aquiles iniciado com a política económica.
A Itália há muito pondera a salvaguarda à moeda europeia (sugere a dupla circulação retomando a lira)- hoje o Ministro da Economia italiano realça à Imprensa a força dessa possibilidade. O sonho europeu desvanece-se porque é megalómano, a alto nível.
Houve um salto abrupto nos últimos cinco anos que distanciou ainda mais o espaço público do círculo privado diplomático. O verniz da discórdia estala ainda mais e, na próxima cimeira de Junho, é emergente concertar uma solução para ultrapassar a depressão pós-referendos (as negas da França e da Holanda ditaram a sentença do fracasso; as sondagens da Dinamarca alinham no não).
Até aqui não se ponderou o fracasso do Tratado, não se planeou a estratégia do insucesso - não há plano B (os bons gestores têm sempre plano B) . A culpa? Essa é sempre solteira e inocente, mas neste ponto concreto a culpa é partilhada, sobretudo num nível subsidiário (em Portugal não houve uma única campanha de sensibilização sobre o que é o Tratado Constitucional Europeu). Que fizeram os Estados-Membros para afastar os fantasmas políticos europeus do espaço público? Um vazio oco e ressonante de silêncio....

|-Café displicente-|

Esquece a frugalidade das outras cidades: caminha assim ao vento, lânguido, despretensioso pelo passeio de granito matizado, onde o vermelho quase em espiral povoa o branco que se funde em sabores da brisa. Elas não têm pressa. São bem-parecidas. Têm tempo para as pequenas coisas. São lentas nos gestos, nas palavras, nos amores. Inconstantes com o cigarro e displicentes com o café que sabe a tudo menos a isso.

quarta-feira, junho 01, 2005

[-A Cultura do Encoberto-]

Ou ainda estamos à espera de um D.Sebastião redentor, ou como por uma lavagem cerebral em massa a população deixou-se amestrar pelo cúmulo da alienação. "Somos" pornograficamente doentes pela tragédia, pelo humor negro. "Por Favor" parem de falar das pequenas Vanessas e das pequenas Joanas que inocentemente deslizaram nas mãos da crueza. Já sei que as vamos esquecer ( a memória é curta!) mas mais que estraçalhar a agudeza da má língua, importa gastar o latim ou a tinta a tentar mudar este sistema onde o erro e o engano continuam a ser premiados.

terça-feira, maio 17, 2005

|-Escaravelho Autista-|

Conheci-o em 1800. Casta distinta. Carapaça recolhida como soçobram os pedantes. Esbocei-lhe um sorriso, respondeu com o desvio da bengala, que sustenta para o brio enaltecer. Falei-lhe das comportas semelhantes ao bem e ao mal- retorquiu com um bocejo de aborrecimento e, entrementes, sibilou uma despedida de modorra. Perdi-lhe a vista, mas ainda vejo muitos como ele...

terça-feira, maio 10, 2005

-Valência hesitante-

Há uma valência que hesita, estarrece, congela ao sentimento...Soçobra e levanta-se ao vento da melindra...Passa assim as tardes a sonhar...
Sabe a doçura o calor do sol...Mancha-se de saudade à dança das folhas que se sentam na cadeira de Homero, displicentes, abjuradas, sentidas e, no limite, esquecidas.

sexta-feira, maio 06, 2005

A tortura das raízes culturais

"Na cultura pop, aprovamos heróis sem escrúpulos para salvar a honra da casa ("saving the day") através de qualquer meio que sustente o fim em si mesmo. É uma questão de fazer o trabalho, não importa como (e com que moral); e nesta questão sempre vai haver muitas vítimas de guerra. Mas ok, (é esta a justificação?) de qualquer forma o mau da fita mereceu-o".
Artigo de opinião de
Teresa Wiltz, jornalista do "Washington Post" -3 de Maio 2005

quinta-feira, maio 05, 2005

-Largo da Inveja-

Olhou com desdém o sopro atribulado do lenço no regaço. Era, por certo, um recato de mulher: gestos aprumados, delicadeza e alguma fineza quando recolhia os pés para se sentar. A fonte declinava um regozijo por ela. O vento dançava em torno dos ombros. O ar sustia a respiração para a mirar.
Quando chegava a meia tarde, o sol escondia o calor e, corado de sortilégio, escondia a mulher que amava...

quarta-feira, maio 04, 2005

-Renúncia à desdita-

O que me aprisiona não é o corpo, não é o espírito desta existência, é este condicionalismo, é essa fatalidade: predominância inquieta...É esta liberdade incessante do nada - ao unir a indiferença, realçar a divergência e o conflito. Porque se ausenta a opção?Porque descansa nos campos cinzentos e injuriosos a doce perdição?

terça-feira, maio 03, 2005

|-Tempo sem tempo-|

Corre, fugaz, electrónico, incessante. Nós...
A chave da poupança do tempo roda a fechadura: supermercados com serviço porta-a-porta;telemóveis que fazem tudo (o que lhes falta adicionar? sentimentos?); shoppings; "fast-food"; Tv-interactiva. Não percamos tempo para ficar ainda mais sem tempo para as coisas mais importantes: sentir, respirar, ver, parar....o silêncio....

segunda-feira, maio 02, 2005

"E se não desejo olhar para a minha vida unicamente como uma sucessão de acasos arbitrários sequentes ao acaso arbitrário do meu nascimento (...) direi antes, assistido pelo doutor Obláth, a questão que se desenhara, a minha existência considerada como possibilidade do teu ser, à luz das sucessivas tomadas de consciência e à sombra do tempo que escorre, transformou-se de uma vez por todas na seguinte: a tua inexistência considerada como a liquidação radical e necessária da minha existência".
Imre Kertész, "Kaddish para uma criança que não vai nascer",
Editorial Presença

domingo, maio 01, 2005

Um cliché se faz favor!

Umberto Eco explica num dos seus escritos que o filme "Casablanca" deve o seu sucesso à trama de clichés que evoca...Se fosse um ou dois, seria um fracasso, continua o escritor, mas como é todo ele pleno de clichés singrou...Ora e não é a vida também um amontoado de clichés, de comportamentos básicos, na calha de estereótipos insustentáveis? E porque é que ela, afinal, não é também um sucesso?

quinta-feira, abril 21, 2005

-in Croquis Sociais-

Massa crítica...Talvez as palavras escritas assim pareçam um sugestão demasiado obscura, nublada e passível de cair naquele bocejo enfadonho que fazemos quando o assunto não nos interessa. Longe disso, é o que falta às nossas Universidades. É a disciplina mais importante que nos é retirada a favor de um despejo de matéria oca, mimética, mais: regressiva. Esta é a explicação para o mistério da fraca especialização, da fraca competitividade e do limite de Portugal na lista da literacia...Mais do que um cliché baseado num "choque tecnológico", precisamos de um abalo de ideias, de massa crítica.

sexta-feira, abril 15, 2005

Ciclo Vicioso

Desliza, corre, flui, detém-se. Pára exactamente no teclado para depois saltar para o ecrã. Será mais um blog? Para já é o meu...Devaneios? Não podia deixar de fazer parte deste ciclo. Não podia deixar de incluir-me e enredar-me nas malhas de algo que ainda agora começou para amanhã se reinventar num Divã d'Insónia...