quarta-feira, novembro 30, 2005

A Esquizofrenia da Virtude

A Virtude (V.) não saiu de casa de manhã como habitual. Rendeu os seus gestos delicados ao pudor da preguiça. Como se deixou ela enredar assim, num acto vadio que não é o seu? Parece que ela é de medidas compassadas e trejeitos calculados. E nunca se deixou ela levar pelas balelas da perfídia e as críticas cobiçadoras das vizinhas Intriga e Má-Língua. Mas, daquela vez, a Preguiça usou de artimanhas maiores e seduziu-a com as técnicas apuradas- mesmo vampíricas- da publicidade desenfreada ao ócio.
"Mas cara Virtude, para seres ainda mais virtuosa não há nada como um sono de beleza prolongado para não danificar as rugas do tempo e o cansaço da perfeição"- alegou a Preguiça.
Ora visto que o Tempo está cada vez mais moribundo, e o cansaço padece de Alzheimer (esquece-se frequentemente que se cansa!) a Virtude achou por bem dar ouvidos à Preguiça - que se apresentou naquele dia toda aperaltada de falsos fundamentos dissimuladores.
Assim, rendida às técnicas do marketing e do consumismo, a Virtude, julgando ficar mais formosa em intelecto, decidiu quedar-se em casa...
Ao cair da noite. E sem que nada acontecesse, ela explodiu em pranto, perante o riso cínico da Preguiça que, naquele dia, se dignara a visitar V.
Depois, decidiu ultrajar-se e demitiu-se do cargo "imortal" a que alguém, um dia, a incumbira. Talvez por isso a Virtude tenha deixado de dar notícias. Está num centro psiquiátrico há anos. Motivo? Sofre de esquizofrenia crónica...Bem crónica!

segunda-feira, novembro 28, 2005

Incompetência?

Vamos falar de moralismos. De exigências, de ineficácias ou talvez de incompetência. Quando me exigem rigor, responsabilidade, eficácia e (correndo o risco de me repetir) atitudes exímias, costumo colocar os dois pés em pausa, sem avanço. (Renitente e com suspeitas). Mas perante factos não há argumentos e avancei-os...até que hoje dei um salto em retrocesso.
Como é possível que uma instituição - supostamente "competente e rigorosa"- tenha tido a lata de lançar um banho de água gelada por cima de nós?Não posso. Não tolero... Que moral tem para me exigir rigor se nem ela sabe responder a perguntas básicas como temas de trabalhos, horários...Deixando-nos assim "enjaulados" e estupidamente pueris... Vi logo que havia fogo de vista e não passa de uma casa com "sapatas" (denunciem srs engenheiros) de barro...
Van

quarta-feira, novembro 23, 2005

Foi com voz doce que ela o embalou. Escorregou depois num desejo sentido e confessou à Lua o enigma do olhar furtivo. Com passos de fada, deixou deslizar a mão de seda no rosto dele. E num suspiro sorveu-lhe o mundo num segundo.

terça-feira, novembro 15, 2005

E ele embalou-se pelo brilho da lua e enfeitiçou-se pelas estrelas do olhar. Era a voz fugidia que o esquecia; e sorvia o momento com o respirar.

domingo, novembro 13, 2005

-Dias ténues em compasso apressado-

Há dias em que a noite é um fio ténue que passa pelas encostas escarpadas do olhar e ao relento da memória. Outras vezes, é o dia que passa como a noite, numa sessão de insónias em contra- luz repentino.
Estes dias, passam assim: entre a incerteza do dia e a velocidade da noite - sem descanso, ansiedade e cansaço. Estes dias não são dias: apenas meras noções do dia, da vida e de um caminho incerto em que alguém nos guia como pequenas marionetas. Apenas trilhos espaçados de realeza indistinta e sabor insípido.
Hoje os dias não são luz, nem trevas, nem nada. Apenas vivências cimentadas em tectos artificiais, oxigénio manipulado e cadências encurtadas em melodias da palavra. Só o pensamento consegue viajar na estrada de fora, escolher a luz que o toca, o tempo que faz, a melodia que o embala. Talvez seja esse o embalo fugidio: o tecto vazio da liberdade do mundo.

sexta-feira, novembro 04, 2005

-Inquirições da Alma-

Quis dona Júlia saber por que razão havia ele saltado fugazmente do interior do quarto, ao relento do sabor sombrio do tempo e à parca luz da madrugada. Mas afinal quem no seu perfeito juízo (e por que pretensões) sairia do calor do leito, aconchegado e ternurento para embrenhar-se no gelo?
Mais queria ela saber das razões por que dom Rigolletto saira ornado nas suas melhores roupas, perfumado com aroma de jasmim e lenço alvo no bolsa da jaqueta, como quando saía para os bailes nobres dos Castelhanos del Sario - a casa ao lado do grande lago que premeia o jardim de Aurélia (a virgem).
Está claro (seria?) que podia tratar-se de um caso amoroso clandestino. Um vício entranhado que falava mais alto. Será que dom Rigolletto deixara as malhas do jogo apunhalá-lo pelas costas? Ou, então, Dom Rigolletto andava inclinado para negócios obscuros de tráfico de rapé; ou lenços de seda?
Mas ele estava mais que ornado. Não saira sem a sua máscara viril. O pó branco que lhe cobria a cara. A cabeleira barroca, branca, que lhe escondia o cabelo. O sinal petulante que lhe adornava os contornos do lábio. Dom Rigolletto saira aprumado. E isso, ninguém contesta. Nem dona Júlia. Que horas antes se deixara enternecer nos braços gentis e másculos do italiano emprestado. (Rigolletto não era o nome de família).
Mas afinal ele seria artista? Contrabandista? Poeta boémio de ilustres casas de meretrizes? Ela não sabia. Por isso prometia vigília certa para um interrogatório apertado, sem tréguas, nem piedade. Ela não tolerava a traição. Nem sequer imaginava desculpa plausível para tal escape ao anunciar da aurora.
Foi durante estas e outras divagações que a dobradiça da janela guinchou. E com ela eis o foragido da noite; que em pézinhos de lã, ensaiava uma entrada (triunfalmente silenciosa- tentava!) na sala por onde havia saído.
Dona Júlia aguardou o final do exercício de destreza do amado. Depois inundou a sala com a luz de dois candeeiros de petróleo, para mostrar a sua presença (fúria e desagrado). Pálido (o pó branco assim o queria) dom Rigolletto arregalou os olhos e depois perdeu-lhes o domínio e desatou num pranto desafinado, soltando graves e agudos, sem grande consideração pela harmonia musical. Confessou-lhe a tormenta. Afinal havia desculpa. Contou-lhe as perdições sentidas e as paixões da alma.
O inquérito durou mais de duas horas. A neurose estava confessada. E dona Júlia concedeu-lhe o desejo de sair todas as madrugadas, sem inquirições da alma.

terça-feira, novembro 01, 2005

-Le soirée eterne-

Il ya un subterfuge énigmatique dans le rêve de Marie. Il s'appelle éterne moment que fait de la vie une constante mise en scène.
Vanessa Rodrigues