sexta-feira, dezembro 02, 2005

Instante de Desejo

Não pode olhar para o céu. Chegou com atraso ao canto do mundo porque se sentiu abalado com o sopro indelével. Agora não suporta contemplar, bem alto, o azul celeste que o faz lembrar a imensidão esquecida de um instante de fervor.
Senta-se. Cruza as pernas no chão. Roça a palma delas em cada textura da areia fina; como se cada fragmento fosse um fio invisível de desejo escondido.
Esquece-se. Toca com receio a brisa que vagueia pelo rosto. Mas recusa-se a olhar o alto, porque a vergonha o comove. Teme que nunca mais possa ter um pequeno - por mais ténue que seja - instante de desejo.
Não se levanta. Responde com murmúrios à melodia desenfreada que o vento sussurra. O cabelo esvoaça. As pernas estão dormentes. O suor nervoso corre-lhe pelo rosto, jorrando com troça pelos poros secos de ardor, amargurados pelo ar.
Só pensa, não sente a frieza do tempo que faz. Apenas se entrega à dor reflexiva que se torna, depressa, uma explosão emotiva de sarcasmo.
Ri, nervosamente! Pára. Levanta-se.
Essa noite beberá uma garrafa de rum. Adormecerá as mágoas com a sonolência do álcool. Amanhã acordará e vai continuar a ignorar a cor do céu. Porque, por ora, o véu da aurora o enfeitiça e ilude com promessas adiadas.
Mal ele sabe que está preso a um instante desejo que jamais poderá sentir. Talvez assim; quem sabe um dia; entenda o que jamais alguém interpretou!

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