sexta-feira, outubro 28, 2005

- O tavão aniquilado-

O tavão foi surpreendido pela teia mal feita da aranha preta e fina de pernas. Essa rodeava o interior da secretária moderna e atafulhada de papéis, ornada por objectos menos importantes. Foi, então, o insecto enredar-se nas malhas viscosas daquele fio insípido e visível à luz, expelido com mestria pelo labor do aracnídeo com economia absoluta de a casa lhe servir de armadilha para uma refeição recheada.
Às primeiras vibrações do almoço requintado, apressou-se a aranha magriça - e com tiritar acobrático entre as linhas ténues da casa- a ver que "peixe" lhe tinha caído na rede. Quem sabe nesse dia a dona aranha não teria farnel que sobrasse para convidar as amigas desdenhadas para o ansiado banquete. Afinal a aranha castanha, peluda e com casa em retalhos (e que vivia na estante de cima- mesmo junto à secretária) há muito que a criticava pelo seu mau feitio anti-social. Quem sabe se não era desta vez que ela se vingava das invectivas verrinosas que lhe lançavam as más pinças de aranha.
Pelo balançar da teia bem que a magriça se podia regozijar. Bem que ela andava de um lado para o outro. Ia e vinha. O tavão não morria. Lutava pela vida. Lutava atarefadamente para se libertar das linhas pegajosas daquela teia. Estava numa redoma. Lutava. Espezinhava. Esperneava. Zumbia. Balançava a teia até se enrolar apenas num fio. Uma forca. (Quem sabe?). A aranha inquietava-se. Não podia perder a presa. Não podia deixar escapulir-se um petisco daqueles para dar e vender.
A luta do moscardo estava a mostrar-se uma peleja incansável. A aranha desesperava. Até que de repente, num último fôlego o moscardo soltou-se, perante o olhar incrédulo da magriça que nada mais podia fazer do que lamentar um banquete adiado.
Já no chão, o moscardo descansava. Tentava recobrar o fôlego perdido.
Num jeito voraz o chinelo da Rosália bateu uma, duas, três vezes para aniquilar os movimentos do tavão. Não houve banquete, não houve vitória de salvação. Venceu o chinelo na inutilidade da peleja.

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