terça-feira, novembro 18, 2008

À hora dos silêncios dos espaços entre os dedos, um ar qualquer toma conta dessa respiração ofegante: a da transpiração dedilhada. Se o olho chegasse ao zoom pormenorizado veria como cada poro se dilata para chegar à descrição. São dedos a arder, que passam o dia em provas de velocidade entre o alfabeto com vírgulas, acentos, pontos e muitos, mas muitos pontos e vírgulas, reticências com parêntesis e números por extenso. É que por vezes, como a vida, tentamos abreviar com representação numérica e esquecemo-nos que é melhor escrevê-la por extenso.

De esguelha e polidamente, as teclas lá vão obedecendo aos dedos que lhes batem com as pontas, num exercício de inveja. Isso porque eles sempre tentam saltar para uma qualquer outra letra que não aquela que ordenamos. Em vez de um “zê” um “esse” e prontamente uma palavra que não sabemos e pode significar algo noutra língua cujas formas de expressar as emoções poderiam ser mais delicadas ou rudes, com a pujança incerta de não dominar aquele linguarejar. Sempre é difícil controlar a ponta dos dedos que nos levam à gralha, e ao que por vezes pode orginar um erro ortográfico. É que os dedos, apesar de filhos do cérebro, podem não estar alinhados com as razões da alma que os leva àquela ou aqueloutra palavra e não à que justamente se ata com o valor que se quer. Por essas, dedicamos minutos de silêncio. Zeros representados por extenso, para prolongar o silêncio e o espaço entre a vida!

sexta-feira, setembro 26, 2008

Bielman F.

Os fios do chuveiro entram em curto-cirtuito. Czlap. Pifff! Não percebe. Ensaboa o corpo. Esfrega os pêlos do sovaco com violência redundante que quase arranca os mais velhos. A espuma escorre sorrateiramente pelos pêlos do peito, grossos e pretos. E agora peçonhentos de sabonete barato.
Cheira a queimado. “A vizinha de certeza”. Tudo se ouve. Tudo se cheira. Os cheiros todos se misturam de andar em andar com perfeita promiscuidade entre amante-marido-mulher-amante-marido-mulher. Parece plástico chamuscado, mas àquela hora, nada lhe ocorria que pudesse assemelhar-se a iguaria gastronómica com subtilezas chamuscadas. A água escorre quente. Mais um czlap-pifff! Faiscante. Colapsos eléctricos. O frenesim disparado vai carcomendo o fio vermelho, encostado ao branco enfarruscado. O telefone toca. Uma, duas, quatro vezes intermitentenente. “A vizinha, de novo”. Cinco vezes. A água vai escorrendo. Escorre, desliza e percorre o corpo branquela como nenhuma mulher há meses. Ele pensa nisso e acha que não deve ficar por aí. Mas o telefone toca. Uma. Duas....Desabituou-se ao ring. Não se recorda da última vez. Cheira a queimado. Enrola a toalha numa desordem. Molha o corredor de madeira rangente. Os pés nus assolapam o piso de líquidas memórias de água e sabonete. Atrás, o chuveiro escorre. A faísca, de novo. E a água ali tão abeirada. O fio estorricado. Quinta vez. Levanta o gancho do telefone anos 80 chapado no retro.
-Senhor Bielman! Hoje à noite. 21h. Dois cigarros depois. Leve a carta!
Desligou. Czlap-pifff! O painel eléctrico estourou.

terça-feira, setembro 23, 2008

Está quente
A chuva treme lá fora
O inferno arde no gelo de humanidades
Balde de equívocos, espelhados
Há um esgaçar qualquer que vem das entranhas
Ou são apenas estranhas memórias de rigidez
Já não há quem gema assim
E as cadeiras em que se senta rangem sempre
Um adormecimento bélico
De convulsivos rasgos bravos
Sorvidos em vidas gastas
Tempo morto, absorto, abortado!
Ex-pele!
Se ele parasse! Como pára!
Como se prostitui em caracteres humanos
Pérfidos malandros
Há malandragens assim – como o fumo de cigarro
Esvoaçantes, gaguejadas em mentiras
Baú de mentiras – bruxuleantes intrigas contadas
Até serem verdade…
Quanto vale uma verdade?
Há mentiras vendidas ao quilo
Inverdades são genéricos mal compostos
Corruptas vísceras em revolta congestão
E o vómito, senhores, é a purgação
Para esta nauseabunda humanidade!

quinta-feira, setembro 04, 2008

Só desta vez!
Escorre de n.o.v.o. as mãos na janela!
Ainda gosto do deslizar
quando as gotas ficam suspensas.

segunda-feira, agosto 11, 2008

Contas de Rosário [um conto paciente]

Cinquenta e nove. Ela jurava que eram cinquenta e nove. Vezes sem conta sentira com as mãos gastas do tempo cada uma das pequenas bolas circulares polidas, como se o vento lapidasse, minuciosamente - e com prazer - cada uma das contas do rosário. A dona Cecília sabia que eram cinquenta e nove pedrinhas, por isso quando a vizinha do lado há pouco a contrariou e disse que eram sessenta, a dona Cecília virou costas e ficou de mal com a outra - com quem trocava lamentos e confidências há tanto tempo que nem elas sabiam ao certo os anos. Nem os registos estavam lá para o dizer. Ou as portas falavam; ou o acre da parede confessava o que ouvira.

Cecília apressou-se para casa. Conhecedora do caminho de olhos fechados, ciente de cada recanto que contornava a esquina que antecedia a humilde habitação, a mulher entrou de rompante e esquecida que o sol brilhava no céu, depois de mais de um mês de chuvas e ventos consecutivos, que estraçalharam as poucas colheitas dos quintais e dos campos que cercavam a aldeia. Ela quedou-se em casa. Abriu a porta do quarto de madeira rangente e pôs-se a contar em voz alta as contas do rosário. Era um vício que adquirira na missa do padre Samuel, em pequena, quando esse pároco rabugento e de cabelo grisalho sebento; voz grossa assustadora e andar trôpego, resolvia divagar nas homilias semanais, acrescendo à missa mais uma hora que o normal.

A dona Cecília - a “Cilinha”, desde os tempos em que achava que o mundo era gigante, mas depois que virou mulher encalhada para a aldeia mudou para "simplesmente-Cecília" (e contam as más línguas que foi mal agradecida ao recusar enxoval da madrinha de berço e declinar casamento com o filho do patrão da mãe, o famigerado Gonçalves de Alba, da quinta dos Alba de além-terras, bonacheirão, bronco das unhas dos pés à ponta dos cabelos que fazem estremecer qualquer lição de “hygiene”) – bem que ficava irritada com as delongas do padre Samuel. Preferia, naquela altura, bordar o seu mundo na ponta daquelas contas, do que ficar diariamente uma hora e meia a ouvir um homem inflamado, a berrar, panfletando política oca e as benfeituras do presidente da junta, apimentando calúnuas contra as saias curtas da filha da Mariquinhas e o diabo no corpo dos adolescentes. Para ele, os pobres coitados eram a encarnação multiplicada do demo.

A única palavra que despertava esta mulher desse embalo tão religioso de fachada, numa viagem pelos refúgios do desconhecido na penumbra no confessionário era: Ámen.
“Aleluia!” sentia um burburinho a formigar nas entranhas dos mais profundos desejos. Era visceral. Mas não se reconhecia ou sequer imaginava noutra condição. Fim de tarde. Antes da badalada das 18h e lá estava ela: genuflectida sobre a madeira do banco deteriorado. Inebriada com o incendo eclesiástico e aquele cheiro rançoso e azedo de madeira velha. Não podia sequer imaginar faltar ao ritualo. Imagine-se só o falatório do dia seguinte.

Desde pequena que a contagem das pequenas pedras era um passatempo, que ao longo da vida foi servindo para apagar mágoas em vez de pranto e reclamações. Esse choro existia sim: era endémico; mas desta forma foi refugiando a alma dos maus pensamentos e resguardando a paciência quando ela encontrava alguém na rua da aldeia que lhe ocupava a próxima meia hora com conversas sobre doenças intermináveis, idas ao médico, intrigas implacáveis da mulher do homem das sete saias; e má língua da tia Anicas – sobretudo quando na maioria das vezes referiam-se a nomes que ela não conhecia e, claro está, a conversa acabava sempre por se encaminhar para o sermão do padre Samuel. Certamente, ela anuia com a cabeça, ignata de que se tratara, enfim, essa mui nobre retórica.

Como nunca tivera tinha brinquedos, Cilinha habituara-se ao seu estimado rosário que guardava no bolso da bata azul-marinho - enquanto pequena - e agora no bolso semi-roto do casaco cinzento desbotado, puído e fora de moda, como tudo naquela aldeia.
Sentada na cama e irritada com a vizinha atrevida, a dona Cecília perdeu-se na conta das pedrinhas do rosário, por se ter deixado enlear em pensamentos que há muito não apareciam na mente de uma mulher cansada da intrusão das pessoas em vida alheia e desgastada pela solidão a que se encontrava na aldeia das pedras, onde a água canalizada chegou há pouco mais de um mês.

Ela bem se recordava dos rebuliços. O frenesim que não foi quando as torneiras começaram a jorrar a água que, anteriormente, era recolhida nas bacias e nos garrafões de plástico que os jovens da cidade traziam. A dona Cecília gostava da sensação da água a correr nas mãos. Uma descoberta que naquele dia a comoveu como nunca. Mais do que no dia em que a junta de freguesia, a mando da câmara municipal, lhe deu uma pequena casa de pedra no centro da vila que ela sabia ter duas janelas com vista para o campanário da igreja e uma porta de madeira polida de castanheiro. Ela conhecia o cheiro do castanheiro, sobretudo quando eriçado de ouriços. Aquele odor acre mas fresco, inundado de um amargor adocicado na garganta quando se exala o olor. Depois, ela sabia a textura com que ficava a madeira de castanheiro na porta se não fosse polida, como era o caso da sua.

Por isso, a dona Cecília dizia que a porta não ia durar muito tempo. Com mais dois Invernos como o do ano passado e lá apodrecia a entrada; e com ela o frio havia de entrar e trazer-lhe uma gripe como certa. Mas a mulher que conta as contas do rosário não gosta de pensar em saúde. Aliás essa foi uma palavra que desde sempre se ausentou do seu dia-a-dia. Ali nenhum médico fora alguma vez. Sempre que teve necessidade dos seus serviços ia na carrinha alugada da junta, que servia de táxi uma vez por dia, para ida e volta à cidade a 20 quilómetros. No total eram duas horas de viagem de terra incerta, vermelha, suada a contar com a volta, mas já se sabe que esse serviço acontecia com partida às 13h da tarde e volta às 19h. Contudo, para ter lugar na carrinha de nove lugares era preciso reservar com dois dias de antecedência. Por isso, ir ao médico era uma tarefa mais que difícil, senão impossível. Arranjar consulta dois dias antes e uma daquelas empreitadas que desfiam a paciência em industriais e obsoletos teares. Como saber se haveria lugar garantido para aquele dia ; não fosse a lista já estar toda preenchida para o mês.

E aventura trilhada de carrinha era, por si, motivo para ficar doente de ira e acicatado por desconfortável condição. Socalcos, pedras e silvas descuidadas no meio da estrada. Delongas ainda de um motorista improvisado, carcomido pela lentidão e desastrado como um míope prestativo. Esse era o Silva, o condutor, tinha apenas a carta de motociclos e à revelia da junta conduzia a carrinha, até porque era o único com alguma carta e veículos num raio de 20 quilómetros.

Depois dos socalcos, a carrinha fazia-se à estrada de alcatrão, inaugurada há pouco mais de três meses, porque o “então-candidato-a-futuro-Presidente-da-República-e-agora-actual” decidira visitar algumas aldeias do interior. Ora, como aquela aldeia constava da lista da autoridade máxima da República, a autarquia contraiu um empréstimos para que “aquela zona ficasse mais bem servida de mobilidade”, tal qual como constara nos jornais regionais. Mas foi mobilidade de pouca dura, já que o dinheiro das obras não deu para tudo: por obra e graça de uma entidade divina parte do dinheiro destinado para as obras foi usado para outros fins e na hora de pagar a factura - e de dar ordem de avanço da próxima etapa da obra - o saco financeiro, simplesmente, desaparacera sem deixar rasto, numa empreitada de grande finta ao jeito de um prendado futebolista.

O golo monetário estaria agora no bolso de alguém, sem relatos fidedignos, mas como constava nos boatos da região. Talvez até, segundo outras línguas igualmente de má índole e maliciosas – sabemos – por baixo da bata do padre. Mas schiuu, seria pecado pensar tal coisa! Segundo, ainda outras fontes de rumores descontrolados que, coincidentemente, nesse ano o presidente da edilidade construiu uma nova casa, com piscina, jacuzzi, sauna e outros luxos. As más línguas dizem que o resto foi para a viagem ao Brasil que a mulher do presidente há muito vinha a reivindicar num "resort" afamado. Mas isto são tudo informações que ficaram por confirmar porque as facturas do resto do dinheiro desapareceram, misteriosamente, e quando as entidades oficiais de investigação tomaram de assalto o edifício autárquico apenas encontraram o rescaldo de um pequeno incêndio que tinha havido precisamente no departamento de tesouraria e contabilidade.

Quezílias moralistas e infundadas à parte. A dona Cecília aprendera muito bem o silêncio e a importância das palavras de porta fechada. Ela agora apenas preocupava-se com as mãos molhadas no friozinho da água corrida como fios enovelados.
Sentir aquela macieza a deslizar pela pele enrugada, calejada de histórias e cunhada de segredos foi como tocar ao de leve a pele macia de bebé, única sensação parecida que esta mulher que conta pedras de rosário conseguia equiparar. Já mais calma, a dona Cecília resolveu desafiar a vizinha a contar, em voz alta, as contas do rosário. E se ela ficasse ofendida? É que a dona Cecília não era, assim, mulher religiosa. Era como que um refúgio na terra sem passatempos e sem outros quesitos para contemplar. Já nem bois via passar. Apenas se apegara ao rosário por ser o único brinquedo que desde cedo a acompanhou, porque lá de religião ela ficou farta com o padre Samuel, depois o padre António e mais o diácono Fernando - que tomavam todos o mesmo rumo enfadonho do discurso e pregadores de um moralismo que ela viu muitas vezes a ser quebrado.

Ela não acreditava em palavras exacerbadas e demasiado convictas do que deve ou não ser feito. Foi por aí que se consolidou o desinteresse da Cilinha desde nova, embora fosse obrigada até às cruzes finais da mãe a rezar em, voz alta de manhã, à tarde e nas vespertinas horas, mais o ofício de ajudar nos enfeites de flores do templo; na limpeza dos adornos; na higiene das toalhas e da feitura dos panos para os dias festivos. Só depois de mãe ter perecido é que a dona Cecília se deixou das tarefas que a prendiam por obrigação e se refugiou em casa alegando luto profundo, justificação pouco convincente aos olhos dos cerca de 50 habitantes desta aldeia perdida, que perdia jovens a cada ano que passava.

Agora esta mulher sentada na cama e com o rosário branco nas mãos pensava no desafio da vizinha. Assim podiam fazer as pazes e esclarecer o mal- entendido. Afinal, ficar melindradas por um simples erro de cálculo seria um acto pueril a que a dona Cecília não se queria entregar, embora estivesse realmente irritada com o facto da vizinha ter duvidado da sua palavra. Mas não podia ser, a dona Cecília não estava enganada. Fazia anos que ela contava as contas do rosário.

Virou-se. Volveu o corpo. E não retrocedeu no pensamento. Afinal, aquela amizade ainda era a claridade naquela penumbra humana. Saiu. Dobrou a esquina e saudou o homem de cheiro azedo que se sentava naquele mural ao entardecer, quer fizesse chuva ou sol. Agora com a leveza do andar, apesar de tudo, a dona Cecília apercebeu-se do cheiro quente da terra e que a humidade se começava a ausentar e pensou que estava um lindo dia de sol. Sentia agora o calor do astro diurno. Sentia a terra a secar por baixo dos pés e ouvia o estalar das pedras quando as calcava. Galgou ainda mais célere a rua e bateu à porta da vizinha. Amuada e empertigada a outra assomou à porta e a Cilinha, cabisbaixa mas convicente, pediu-lhe que contassem as contas do rosário. Ela assentiu e sentaram-se na sala para a cerimónia da contagem.

O ritual começou: uma, duas, três, quatro e assim por diante, cardinais enfileirados na ordem matemárica.
Já perto do final, dona Cecília lentificou a contagem, propositadamente, para ouvir a dicção da outra. Quando chegaram à vez do 58, estava quase desfeito o equívoco, reatada a amizade e quebrado o amuo corriqueiro que quase separou aquelas mulheres. Cecília percebeu. 58, 60! Explicou. Contou. A outra assentiu. Não se pode julgar quem não sabe contar. Cecília levantou-se. Pegou no rosário. Guardou-o na bata. E a caminho de casa rebentou o terço.

segunda-feira, agosto 04, 2008

Civilização Ketchup

A revolução não está nos “soutiens”; nem no LCD, nem o vídeo matou a estrela da rádio; nem no iphone, ou o ringphone – que está “quase-quase” a ser a aliança pós-moderna dos casais disfuncionais – nem no preservativo...
"Are you ready"? A revolução está no Ketchup. “I like to put it on my food, because it has the taste I love”… É o embaixador da Globalização (What?). Foi com ele que aprendemos tudo sobre a (des)cultura norte-americana [ser uma cultura “fast-food” também implica ser-se cultura, dizem – como sou aculturada nada entendo sobre os meandros dessas epistemologias caricatas]. Depois do amaciador de roupa [Bem-vindo ao mundo do cheiro asséptico] temos o molho agridoce que transforma a maior porcaria num manjar dos deuses. Arroz queimado: ketchup; aquela massa bizarra do desastrado na cozinha: ketchup; sal a mais; ketchup, ketchup, ketchup...
Pormenor (I bet you didn´t know!): nasceu na China e foi levado por ingleses para os Estados Unidos. Hum? Não há canto que não lhe dê um lar, sentado em cima da mesa, para temperar com esse pitéu avermelhado: um-doce-amargurado-salgadinho-quanto-mais-melhor; mil e uma marcas e a unânime harmonização gastronómica: pão torrado com manteiga, acompanhado de chocolate quente para beber (o casal sentado ao meu lado, ontem à noite, bem o pode provar); no pão com salsicha; no molho da massa esparguete (o meu irmão é “especialista” nesta receita se quiserem orientação!!! ); na tosta com orégão; na sopa (sim, há quem, aliás há gostos para tudo e esses, sabemos, não se discutem)...
Ketchup, sim: com ele aprendemos a bater na embalagem para o molho escorregar melhor; e no fundo, fundo (não desse) ele é a solução para os problemas alimentares: "ah filho, não gostas de peixe cozido, vai lá buscar o ketchup"...
Um segredinho: respiramos propagandas silenciosas . E no fundo, no fundo: somos todos civilização Ketchup. Será que podes mesmo provar que não? Tenha medo, muito medo!

terça-feira, julho 29, 2008

Amor Ecológico

Zuan perdeu-a. Não tem memória de quando terá sido. Talvez tenha sido aos poucos, em pequenas coisas. Daquelas como se cria uma estria. Ou como o pó que se acumula. Um dia atrás do outro. Outro: e vinte e quatro horas depois mais um, daqueles que passam e nem damos por eles. E quando percebemos, há coisas que já estão lá atrás, como se nunca tivessem existido, ou talvez façam parte de um baú empoeirado que deixámos no passado, como se fosse, assim: “há muito tempo”. Ou talvez demasiado tempo para se ser infeliz. Ele ainda insiste assim, "incerto-e-certo", com emails espaçados de um mês, para limpar o pó. Zuan vive na certeza dele, daquele dia, um de cada vez.

Por isso, a certeza é das mais incompletas dúvidas. Chegou a três. Houve até a fase dos três dias. Depois de três meses, chegaram até a trocar um email de palavras poucas no espaço de 35 segundos. Arroubos do momento para dizer nada. Aliás um traço da personalidade da comunicação, "emailmente" falando! Um simples: “pensei em ti; lembrei-me de ti; recebi isto e pensei que te pudesse ser útil". Elos que não se perdem, mas também não se mantêm. Lik já se esquecia de lembrá-lo. Um esquecimento normal, comparado a deslembrar a insignificância de uma consulta do médico, só recordado quando a memória recebe o alerta com fragmentos que remontam até à sensação de que ele ainda existia.

Lik, amarfanhara, levemente, um dia após o outro, como uma reabilitação de vício, o papel reciclado onde (re)escrevera aquele sentimento que nunca foi um lago tranquilo. Antes um mar profundo, em que as lições de abismo eram insuficientes para lá chegar. Já tinha voltado à tona há muito tempo. Secara o corpo molhado. E Zuan já lhe tinha sugado as entrelinhas que reescreviam toda e qualquer interpretação de que poderiam mergulhar juntos em apneia porque o ar seria suficiente. Não cairia sem fôlego de novo. Estava ali pronta sem reciclagens sentimentais. Amor ecológico não funciona. Lik sabe-o. Zuan também.

Deram um beijo no ecrã. Frio. Vazio. Branco. Vá se lá saber o que o meio esconde. Ela sabia, agora, que fora exactamente um mal entendido da linguagem de vida que os arrancava de si. O que a boca sentia, não sabia dizer. Na verdade, não existia nenhum problema: há ligações que, simplesmente, se convertem ao arroubo do contexto e quando se tenta dar continuidade (arrepio!) ele já não existe. Como a caixa grande de madeira da bisavô que ganha caruncho e pó. Lik não soprou. Achou que era altura de espirrar e combater a alergia. Há histórias crónicas de que já se curou. Zuan, arrependido, percebeu que o que ardeu estava em cinzas. E quando soprados desapareciam no ar. Em pó!

segunda-feira, julho 28, 2008

Gosta de janelas sem cortina. De janelas, simplesmente. De dormir de luz apagada e janela aberta para ver a lua lá fora. Há dias em que é mais sol. Não acorda sem olhá-lo. Há noites em que é mais lua. Não adormece sem se aconselhar. Há outras fases assim-assim em que ele é mais luz, quer seja noite, quer seja dia, ainda que feche os olhos e deixe de vê-la, para imaginá-la. Ele é luz, simplesmente. É todas as janelas por abrir até fazer um dia, antes de parir a noite. Nunca se encontra, mas também nunca se perdeu. Fica suspenso na insónia desse sono, ou no fechar de olhos dessa dormida sem abraço, e do abraço sem dormida. Não importa. Ele gosta de janelas sem cortinas para imaginar que um dia poderia morar na lua, se é que ela já não mora nele!

segunda-feira, julho 21, 2008

Meio Homem


Dorme atravessado na cama. Cortou-a em três pedaços iguais e dorme no meio. Caminha em metade do mundo. Não sabe o que isso quer dizer, mas a sua vida não é deste mundo. Respira pela metade em espaços de cinco segundos, até 30. Seca a virtude para a tornar vício. Disseca os sentimentos para transformá-los em algo balofo, como a metade do seu mundo. Queria viver por inteiro, mas o cérebro só pensa fragmentado, em três partes exactamente iguais, para se ater ao centro. Sabe que o mundo não é mensurável. Mas o seu, sabe-o bem, divide-se assim: nessa vivência exclusiva pela metade. Na verdade, Z. sabe que esse mundo assim tão seu e tão esquisito, não anda tão longe desse mundo que dizem por inteiro. É um meio homem. Mas nunca conheceu um homem por inteiro!

quarta-feira, julho 16, 2008

Amanhecer. Flores no ar. Imaginar que o vento atravessa os galhos despedaçados. Janelas. Líquidas manhãs de nevoeiro entranhadas. Encolhem-se os pés. Arrastam o chão. E o mundo ainda está para nascer.
Entardecer. Telas amareladas. Folhas galgadas. Saltos em bancos de jardim. Remar.Luz áurea, liquefeita em heras tardias.
Anoitecer. Flores fechadas. Sonhar que o vento dorme por um dia. Mãos na cara. Olhos madrugados. Fazer um mundo. E esperar que ele amanheça um dia.

quinta-feira, junho 26, 2008

Save me!

"Magnolia" tem das melhores bandas sonoras! Daquelas que me segredam ao ouvido! Only If you could save me!
A senhora tem um novo álbum. Aimee Mann, aqui.

quinta-feira, junho 12, 2008

quarta-feira, junho 11, 2008

quinta-feira, junho 05, 2008

My "Koop"....Islands

Às vezes naufrago com eles...



terça-feira, junho 03, 2008

Breath, Kim Ki Duk



Não fiquei sem. Mas "Breath" tem textura na imagem. Perdição! Perda! Reconciliação e despojamento!E tenho vivido tudo isso, nos últimos tempos. Sem perder o fôlego. Mas tal como Kim Ki Duk, aprendi, aos poucos a anular os frames desnecessários das quatro estações!

segunda-feira, junho 02, 2008

Vi este filme pela primeira vez há quatro anos. E não é por acaso que o Wong Kar Wai é dos meus realizadores favoritos. Por ser completo. Consegue juntar o melhor do cinema. E eu gosto dessa linguagem, quando a harmonia da música, da fotografia e da história alinham na mesma cadência. Opostos sem serem antagónicos. Sôfregos sem serem sufocantes! Sei que a poesia pode ser tudo e acho que há qualquer coisa nesta música, que pode ser isso! É das mais geniais que alguma vez ouvi.
Nunca gostei de cingir os gostos musicais a uma ideia de que seria "a música da minha vida". Se for para isso, tenho muitas, episodicamente! Cena-a-cena! Capítulo-a-capítulo. Do silêncio ao Mp4. Da arritmia ao sono! E ela é muito mais que isso para se poder avaliar, assim! Na verdade, nem sei o que isso significa. Mas sei que esta "Yumeji´s theme" do compositor Shigeru Umebayashi faz parte da minha vida, quase todos os dias. Sem fuso horário!

Promiscuidades # Mesinha de cabeceira...

A dormir com o meu Paul Auster; Mario Vargas Llosa e o Miguel Sousa Tavares. E o que têm em comum? O trago amargo da vida, para depois a reinventarem: doce para quem os lê!E com a vantagem de não serem ciumentos!!!


sexta-feira, maio 30, 2008

Quente#Frio


"Take me out", Franz Ferdinand!!!

Hoje sinto-me assim! Em frequência Franzzzz Ferdinand...Revisitando os senhores do rock alternativo da terra de saias...Cocktail de pós-punk, indie rock, art rock e pop...com uma cereja de new wave!Acho esta música genial!

quarta-feira, maio 28, 2008

terça-feira, maio 27, 2008



Impossível ficar quieta com esta música!

segunda-feira, maio 26, 2008

Venda-me os olhos. Guia-me devagarinho. Pode ser com o silêncio. Ou o rasar dos pés no chão. Descalça? Mais à direita. Segue. Está escuro. Mas há luz depois da venda. Menos do que quando fecho os olhos. Que deixa respirar às apalpadelas. No ar.
Cheira a alecrim. Tombam pingas aceleradas. Água escorrida. Em ciclo. Folhas verdes. Flores doces. Cimento. Madeira velha. Madeira verde. Musgo. Fetos. Pedras. Granito. Perfume. Pele. O chão é mais sinuoso às cegas. Quantas vezes se ouve respirar? Vira o corpo à esquerda. 90 graus. Vai. Mais um pouco à direita. Cuidado. Pára. Inclina-se para a frente. À esquerda. Mais um passo à direita. Viraste demais! Pausa. Subiste o degrau. A inclinação. O declive do piso assimétrico. Um buraco. A calçada falha. O chão é duro. Agora mole. Pisaste a relva. É fofo! O pé procura conforto. Equilíbrio. Agora as mãos baixam. Só a voz. E o corpo que vai. E se rebolasse? Confias? De venda nos olhos? Sem luz. Só com o calor do sol a dar-te na cara. E nas mãos baixas. Não há sombra quando os olhos não vêem. Nem verde, nem água. Cheiro deles! Aromas em coquetel. Patos, na água, a debicarem. As asas a bater. A árvore tem rugas profundas. Fissuras finas. Perdes o equilíbrio em segundos. Sem vertigem! Os olhos não a distinguem! O ar está doce. Pode ser das flores que não sabes o nome. Caminha para trás. Quatro passos. Baixa-te. Como sabias que tinha um banco? Marcas de tempo. Tinta estalada. Cascas. Ouves o “craque”seco a cair. Áspero. Ainda não terminou. Ergue-te. Tendes a caminhar para a direita. Como podes saber em que direcção caminhas? E o chão tem declives que não percebes. De olhos desvendados. Passou uma mulher. Nunca um homem com aquele cheiro. Tem pó aqui. Uma placa. O pé desliza devagar nele. Sobe. Baixa. Não é por aí. Debruça o corpo mais à direita. Um passo mais ao lado. Agora tendes a virar à direita. Não tens linhas rectas. Ouves demais a minha voz. Vou-me afastar. Sem influências. Podes estar perto, mas não demasiado! Que mais sentes? O chão, sempre o chão. Declivoso. Mas os cheiros não se misturam. São por si só. Não percebi de olhos abertos. Há muitas que não percebes se não vendares os olhos. Não basta fechá-los. Tens de os pôr a dormir, para ver!

terça-feira, maio 06, 2008

Será que vertigem ao contrário tem menos efeitos secundários? Será que os efeitos secundários causam menos vertigens?
Gostas do rodopio das folhas. Do cheiro da chuva. Das palavras que não se dizem. Que te sussurrem ao ouvido como se fosse o último trago de vinho. Dos olhares que nunca mais vês porque não esperam nada de ti. Dos lábios em almofada. Do vento que te bate na cara, como se fosse a última carícia. Gostas das coisas simples que ninguém vê. E que aos olhos dos outros são assim tão complicadas. Tão sem significado. Gostas dos baús vazios para encheres de tralhas pequenas. E, afinal, és tão simples de preencher. E nunca ninguém chega lá! Como se te tivessem trancado num quarto, onde, de vez em quando, alguém entra pela janela sem cortinas. Pedem-te que a abras, como se não vissem que nada lá está. Porque ela está aberta.
Ainda esperas a vertigem? Ou a alucinação dos efeitos secundários?

segunda-feira, abril 28, 2008

Um pouco mais!

Abres a porta como se o ar fosse acabar! Puff! Um instante: o telefone tocou! A campainha. Nunca ninguém te entende sopro meu! Falas como se quisesses fugir do vento! Querias que o mundo tivesse quanto tempo afinal? Há pedacinhos, assim, que nos esquecemos dele! Vamos fazê-lo parar, de novo? Como se faz? Abotoas o casaco, como te agasalhas da vida. Talvez devesses apanhar mais resfriados de quando em vez, para saberes que a febre pode ser um bom delírio. Ou que eu, ou que tu! Arrepias-te com este calor? Suor frio de medo... Como as rosas sem espinhos! Sem piada! Deixa o telefone! Já não escreves cartas! Nem lambes os selos com a saliva da ansiedade! Deixa-me entrar! Range a fechadura. Ainda estou lá dentro quando espreitas?

sexta-feira, abril 25, 2008

Saudade

Agora, sim, a saudade! Decorei este poema quando tinha 12 anos, para uma aula de português. A memória nunca o esqueceu e, uma vez que pensei nele, por causa da Helena Blavatsky, deu-me a saudade de o recordar: ali paradinha, em plena pré-adolescência, com o quadro de giz atrás e algumas dezenas de olhares centrados em mim e na minha timidez saiu a "Hora morta", tremidinha e, agora, tão actual como se fosse amanhã:

Fernando Pessoa

Hora Morta


Lenta e lenta a hora
Por mim dentro soa
(Alma que se ignora !)
Lenta e lenta e lenta,
Lenata e sonolenta
A lua se escoa...
Tudo tão inútil !
Tão como que doente
Tão divinamente
Fútil - ah, tão fútil
Sonho que se sente
De si próprio ausente...

Naufrágio ante o ocaso...
Hora de piedade...
Tudo é névoa e acaso
Hora oca e perdida,
Cinza de vivida
(Que Poente me invade?)
Porque lenta ante olha
Lenta em seu som,
Que sinto ignorar ?
Por que é que me gela
Meu próprio pensar
Em sonhar amar ?
Fernando Pessoa arrepiou-se com ela. Tom Zé falou-me dele: como pode ser estridente e ruidoso este silêncio...

quinta-feira, abril 24, 2008

Meias luas

Espera ainda tenho sede!Dás-me vinho? Um pouco mais de luz, por favor! Podes apagar!A vela, deixaste a vela a derreter!O motor do carro ainda treme! Há gotas na janela!O vento geme as persianas!Fecha a porta! A cortina tirou-me a luz. Podias dormir cá hoje! A pele não tem cheiro de nada! Os lábios colam-se! Gelo…Já foste! Não dizes nada!Não sei se quero saber! Talvez não! Senti aquela dor no peito outra vez! Talvez tenha ar nas veias. Elas vão com ele! Senta-te aqui! Não te afundes tanto no sofá!Espera, que estás a ler? Podias escrever… Que cheiro tem a minha pele, afinal? Não sinto! Tenho borboletas a roçar-me o estômago! Abraça-me! Podias apagar a luz… Dói-me os olhos. Não consigo dormir! Ouço o motor! Chove de novo. Escorre! Diz! Abre-a! Se o sono chovesse! Adocicado… Não ia haver vento! As cortinas dormem.. Sabem… Podes matar a sede com as gotas lá de fora… A tua pele cheira a chuva! Secou com o calor das velas! Podes voltar amanhã, que o vinho estará servido!

terça-feira, abril 22, 2008

LER aos Pedaços


A nova revista LER começa a juntar-se num puzzle. Dirigida por Francisco José Viegas e com coordenação de João Pombeiro, a nova publicação, com o carimbo do "Circulo de Leitores", parece vir dar à Literatura o tratamento transversal de que ela estava órfã, entre nós. Para começar a ler...aos pedacinhos AQUI

segunda-feira, abril 21, 2008

Relembrando!\Maria João Pires

Notre douleurs

A que nos resumimos!

Desafio lançado pela Guida, em Londres!

Um mês seria: Maio, mais todos os outros
Um dia da semana: Sábado
Um número: 7
Um planeta: Vénus
Uma direcção: sem rumo
Um móvel: baú
Um líquido: vinho
Um pecado: todos
Uma pedra: a filosofal!
Um metal: o dos parafusos da máquina fotográfica!
Uma árvore: chaparros!
Uma fruta: Amêndoas
Uma flor: Girassol!
Um clima: frio…para enrolar a manta!
Um instrumento musical: violino e depois, o silêncio!
Um elemento: fogo!
Uma cor: vermelho!
Um animal: labrador!
Um som: mar!
Uma canção: Romance, Chopin, pelas mãos da Maria João Pires
Um perfume: a pele
Um sentimento: o dos abraços prolongados!
Um livro: “Ensaio sobre a Cegueira”
Uma comida: aquela que ainda não experimentei!
Um lugar: o das viagens sem rumo de mochila às costas!
Um gosto: Canela!
Um cheiro: terra molhada depois da chuva
Uma palavra: aventura
Um verbo: Reinventar
Um objecto: caderno
Uma peça de roupa: lenço
Uma parte do corpo: ombros
Uma expressão: sorriso
Um filme: a minha vida dava um!
Uma forma: oblíqua
Uma estação: Liberdade!
Uma frase: Não exigas mais dos outros do que eles te podem dar, espontaneamente!

As minhas cidades invisíveis


As "Cidades invisíveis" de Italo Calvino jamais se poderiam dar bem umas com as outras! Não porque a sua disfuncionalidade é real em demasia, mas sim porque o seu sofrimento é antagónico em doses pesadas: destruir-se-iam em segundos! Nunca fui boa para nomes, por isso, não sei denominar como se chama a cidade dos "vivos" e dos "mortos"; ou aquela que os todos os homens idealizaram e não encontraram e, por isso, resolveram erguer, baseando-se em visões comuns! Eu sei: poderia ir ao livro de novo e ver, o nome justo pelo qual Marco Pólo as suspirou ao Kublai Khan! Mas não quero. Preciso, simplesmente, que essas cidades vivam dentro de mim, para que, desleixadamente, deixe que as pessoas que habitam nelas se cruzem comigo e eu saiba donde elas são; mesmo que elas venham de tão longe, como se eu nunca tivesse ouvido falar delas. Nesse dia, saberei que Ítalo Calvino já me falou delas ao ouvido. O mais curioso desta minha viagem, agora, com a mala do escritor, é que há uns anos, inconscientemente, sem sequer ter cruzado os olhos pelas cidades do Calvino escrevi uma crónica sobre viagens no suplemento "Fugas", do jornal "Público" com o título: “Viagem pelos lugares invisíveis”. Aí, acerca de uma incursão deambulante pelas surpresas da cidade de Copenhaga [Dinamarca] sem mapa, numa real descoberta das doçuras e sabores acres... Tropeçando, sem querer, nos lugares dentro de nós, e que só os nossos olhos sentem! O texto não é brilhante, nem se compara à maestria de Calvino. Mas vale pela coincidência da invisibilidade das cidades que habitam dentro de nós, que mais ninguém vê, mas quem sabe, com elas pode sonhar!Nesta altura, eu começava a conhecer as cidades dentro de mim!


Foto por vnrodrigues

Viagem pelos lugares invisíveis
Por Vanessa Rodrigues

Existem em todas as cidades. Na esquina de um prédio urbano. Nas ruelas sem saída. Ao redor de uma praça antiga. No limite de um túnel. Perto do metro. À saída de um hotel. À entrada de uma estação de comboio. Por trás de uma paragem de autocarro. Perto de um néon publicitário. Ao lado do café da moda. Só que por vezes não os vemos. Não percebemos os lugares invisíveis de uma cidade. Aqueles que não preenchem o mapa turístico. E contam mais histórias da cidade que visitamos, do que as atracções sugeridas. Perdemo-los. E não perscrutamos o genuíno telúrico. É nesses lugares que melhor sorvemos a cidade, a vila, o lugar. É no íntimo de locais incomuns que aprendemos a respirar ao ritmo da cidade. (Porque cada sítio tem um tempo próprio vital). Todos os lugares são assim. Não podiam deixar de o ser. Essas paragens estão imunes ao trilho turístico. São invisíveis porque se escondem no oculto citadino. Pelo interesse relativo de uns e a curiosidade de outros. Esses lugares podem ser os antiquários – que contam histórias da cidade. Os alfarrabistas, que pintam o cenário histórico do lugar. São a biblioteca local. A loja de discos antigos. A papelaria com design arrojado. O largo residencial de um prédio. As portas envelhecidas de uma casa (que sussurram narrativas). O jardim escondido ao dobrar a esquina. O café secular que serve chá em bules de porcelana antiga. O mercado onde, pela manhã, os olhos despertam para um dia de comércio. Mais: esses lugares (e ainda outros perdidos, por descobrir) são toda a cidade. O complemento ao sorver verdadeiro. Para sentir os cheiros que a movem. Os movimentos que faz. A hospitalidade que se apruma.

É, precisamente, no íntimo dos pequenos lugares – que, por acaso, se encontra – que quem habita a cidade está mais disponível para acolher. Mais predisposto a responder às curiosidades de quem visita a cidade.

Se realmente se quiser conhecer o lugar que se explora. Há um dia reservado para os lugares invisíveis. Que cada um descobre. À cadência do passo individual. Pela manhã. À tarde. Ao entardecer. À noite. Ou quem sabe ao amanhecer palpitante. Porque a aurora de um lugar desconhecido é sempre uma epifania a desvendar.

Relação Perfeita!

Deixaste a tampa da sanita levantada!Não lavaste a louça! Fizeste a cama? E a sala, ao menos, arrumaste? As cervejas, caramba!Sempre a mesma coisa! Em cima do bordado! Tapaste a pasta dos dentes? Não limpaste o lavatório dos pêlos da barba! Muda o canal para o futebol!Já te disse! Isso...ahhhh! Viste? Foi golo! Eu não vi! Puseste a cerveja a referescar? Limpaste a banheira? É a tua vez de lavar a louça! Porque me deixaste sozinha a conversar! Ah! Aquele era o teu chefe? Porque não me apresentaste? Estou mais gorda! Não achas que emagreci? 200 gramas! Estou de dieta!

Comprei apenas uma camisa, amor! Depois, aproveitei e comprei, também, umas meias para ti… Uma saia, uns sapatos, uns brincos, uma carteira, um creme, um batom, um casaco…ahhh! E aquela lingerie que me disseste que adoravas; e que cairia que nem uma luva em mim, quando fizesse dieta! Só isso! Deste de comer ao cão? Foste passeá-lo? Passei a noite a passar a ferro! Chegaste a que horas? Limpaste o presente que o teu cão deixou na sala? E o teu filho? Falaste com a tua filha? Grrrrrrrr!!!

Hum, convidaste os teus pais para almoçar? Perfeito! Colocaste o quadro na parede? Há anos que te peço e dizes sempre: "ah! isso é fácil é só fazer um furinho! E que é dele?". Mas disseste que não tinha problema! Compraste um carro novo? Espera: compraste-um-carro-novo? O papel higiénico acabou! Chegas-me a toalha? Não, hoje não! Estou com dor de cabeça. Não, estou cansado! Marcas de batom? Amor, este perfume!!! Estranho! De quem é este cabelo? Mas eu sou loira! Como disseste mesmo que se chamava o teu chefe? Ah, o mesmo que aparece nas mensagens! Fecha a porta!

Apaga a luz! Não venhas tarde! No sofá? Hoje? Eu disse-te que era por ali! Eu bem te disse! Tu é que quiseste virar à direita! Porque não perguntamos? Andamos às voltas! Acho que já passamos por aqui! Não? Não me disseste que estou linda hoje! Sim, cortei o cabelo. Há dois meses!Podias pôr aquela blusa! Aquele batom! Aquela saia! Os brincos! Mas disseste que não gostavas! É hoje! Quê? Já passou um ano! Hum…Rosas, de novo? Arroz? Outra vez?

segunda-feira, abril 14, 2008

"Eliminar Amigo"?????

Quando, no canto inferior direito da fotografia de cada uma das pessoas, que fazem parte dos nossos contactos, de um qualquer programa de rede social (tipo myspace; hi5;orkut, etc, aparece a opção "eliminar amigo", significa que alguma coisa está gravemente errada, há demasiado tempo, com a forma como nos relacionamos!A picada indolor da realidade não está, afinal, assim tão longe como eu pensava!

segunda-feira, abril 07, 2008

Into the Wild



Há cerca de duas semanas esbarrei com este filme na tela. Mergulhei sozinha na sala!Tive de me conter! Pelo menos não estava preparada para ele. Nem para as músicas de Eddie Vedder! Decidi que não iria ler nada sobre o filme. Queria entrar em branco na história. Pahhh! Foi como se recebesse várias picadas de abelha, subtis, mas dolorosas; e como se depois começasse a inchar, devagarinho! O filme fez estragos! Voltei para casa a pé! Foi como se Sean Penn me tivesse atirado um balde de água gelada, depois de uma sauna quentinha. Ele não me conhece, mas conseguiu retratar direitinho muitas das coisas que penso e guardo quietinhas num baú! Não falamos da história, mas da liberdade que a rodeia! Já disseram muitas vezes que não me consigo fazer entender!É certo! Cada um de nós tem uma linguagem! Não há dicionários sobre elas! De resto, desde Penn, só Júlio Medem tinha feito isso comigo com a "CaóticAna"! Há realizadores que sabem demais sobre o mundo!E conseguem, assim, frame a frame falar sobre nós!

domingo, abril 06, 2008

quinta-feira, abril 03, 2008


Lisboa, Fevereiro, 2008

segunda-feira, março 24, 2008

Lx

Balado do vento

Condensado, como quem sobe a montanha.
Perdido, no epicentro magnético que trava.
Gelado nas entranhas dos pensamentos que não saem. Caem, por isso, montanha abaixo sem fôlego.
Contrariado, respondendo às agruras da aspereza da negatividade do pico das cordilheiras que ainda permanecem em nós. Cada um. Sopro a sopro. Subida a subida, sem descidas.
Até que jaz lá em baixo, rarefeito, sem oxigénio. Até ao último suspiro resvalado. Grasna, como um bip intermitente. Mistura-se com os olhos. O corpo arrepiado. Boca amordaçada. As palavras presas pela velocidade dos movimentos presos.
Não conseguimos vencê-lo – será que queremos? -, ininterruptamente.
Ainda somos pesados, para que nos leve com vida.
E se pudéssemos com ele flutuar, ainda que gelados, perdidos, condensados, talvez não seríamos tão sós, tão nós!

sexta-feira, fevereiro 29, 2008

segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Ligações Impossíveis


"Os aumentos dos preços já chegaram e prometem ficar acima da inflação”. “Este é o nosso suspeito do rapto de Maddie”. De capuz de Pai Natal, olhos de tarado – se é que há um padrão para estas coisas. E a mulher entrou. Sentou-se de um só fôlego. Saltitou com o amortecimento do corpo na cadeira. Rabo asseado nas almofadinhas dos transportes públicos. Está de saia. Sapatos catita. Meias cor de pele…parda! Ainda não lhe vi a cara, hoje. Será que quero? O do lado folheia o jornal do suspeito. Aquele que, pelos vistos, é nosso. Bem vistas as coisas: de todos nós! Espera! Ela cruzou a perna. Está entre um velho e um meio novo. Meio velho. É como o copo. No desequilíbrio da incerteza! Os sapatos – ainda não falei mais neles. E devia! Sapato de mijona, como diria a minha avó. Ela também os usou assim, não? Sapato preto. Ligeiro tacão quadrado. Uma sola elevada. Vá! Não chega a ser tacão. Apenas um desvio do que pode ser indício de feminilidade. A meia parda estremece quando a perna toca uma na outra. Cruzada! Aquele barulho frígido de dois esfregões bebés a roçar um no outro! Aquela impressão de arrepio de um quadro de giz. Previsível! Lenta como a eternidade que nunca chega a sê-lo tanto! Mas os barulhos da cidade abafam essa possibilidade sonora de chegar aos meus ouvidos. Por isso o som não existe. Imagino-o! E arrepio-me! São sons plurais. Nem sequer estremecem o singular!
O homem do lado, o meio velho; ou depois de novo; ou meio no começo da vida; amarfanha os jornais no saco do Jornal de Notícias. Schflap... Scfflap… Tzzzzz! Tem pinta de quem o compra todos os dias! O modo como pega no jornal com destreza, as mãos deslizando sobre o papel, dobrando ligeiramente a ponta; olhar direccional; delicadeza de quem ainda não se irritou com a falta de ergonomia dos nossos jornais: secos e ásperos. De leitura orientada para as gordas; o olhar rasante por cima do elemento de leitura para ver quem passa… Comprova a tese quotidiana da prática de leitura…
Nova estação. Barulhos de ocasião: o metro a deslizar nos trilhos; a voz off do intercomunicador; o arranque; o chiar; o parar; as portas a abrirem; a estremecer; o apitar… A música do mp3 do lado (walkman? minidisc?; …) estão para trás do tempo (mp4; ipod; telemóvel )… Outra estação. Sentido de viagem. Não o nosso! O do metro. Nova agitação; vozes de fundo; adolescentes carregados de palavras nasaladas. Dlim..Dlão, finalmente... Estação nova… As meias roçam – esfregões bebés repetidamente… Tzaahhh! Tzahhh! Não os ouço. A possibilidade de o serem! Cheira a suor. Velho, forte, carregado de sarro vivido!
“Fogo, oh Zé! Fogo! Que chaço, meu!”
Tosse um. Tosse dois. Sacos plásticos são abertos. O metro acelera… Pequenos solavancos. O ritmo, o rolamento…Três sons… Quatro..Cinco..E os que não ouvimos, contamos?
Vejo a cara dela. Não sei se a queria ver! A dos sapatos de soquete! Óculos escuros. Rosto farinha. “Harry Potter” na mão. Uma capa verde - como a saia axadrezada que ela veste.
Harry Potter e o Príncipe Misterioso… Terá ela um? Dois, Três, Quatro, Cinco, Seis…. Acreditará em cavalos brancos? Vassouras voadoras? Quantos amantes lhe passaram pelas meias pardas? “Menos de 174 milhões de impostos no tabaco.”
“A próxima estação tem ligação com autocarros”. Óptimo. É de ligações que estou a precisar!

quinta-feira, fevereiro 14, 2008

Bonecas abandonadas










Taças Tibetanas, Espaço Divinos


Ontem foi dia de jantar vegetariano e concerto de Taças Tibetanas com Ana Tabuada, no Espaço Divinos, na Foz... A dica foi da Ana Pinheiro [obrigada. E descobrimos que ela é mais beta do que alfa...]e valeu para o resto da semana...Uma viagem ao mundo da reverberação...no corpo...

terça-feira, fevereiro 12, 2008

Erdbeer

Relíquias Nossas [4]



Filme de Chianca de Garcia. Estreou a 2 de Janeiro de 1939, no Tivoli, em Lisboa. Com Beatriz Costa

Relíquias Nossas [3]



Relíquias Nossas [2]

domingo, fevereiro 10, 2008

segunda-feira, janeiro 28, 2008


© vnrodrigues, 2007

Lava as mãos. Água gelada que me inquieta os dedos. Fogo ardente, que aquece a água do comer. Prepara-te! O telhado ainda é de origem. Tzaaa!!!..Tzaaa!!!...Os pés arrastam-se nesse soalho gasto!Schhh! O avô não quer que se saiba! Vai fechar a porta para que o frio não entre. É dia. A cozinha escura como breu!Senta-te Tereza! É a hora de arrefecer a água do pote desse fogo. Lava as mãos. Não deixes que os ossos se constranjam com a escuridão fria dos ares do soalho!Aperta a camisa. Desabotoa a bata. Tira o chapéu, homem, para que te veja a cara! Quantos nasceram esta noite? Mulher, haverá mais limões na árvore amanhã!

sexta-feira, janeiro 11, 2008

terça-feira, janeiro 08, 2008