quinta-feira, outubro 27, 2005

[-Uivar da Aurora-]

As árvores não dormiram esta noite, sacudidas por um vento trôpego, insatisfeito e vestido de manta de tropel para arrebatar sentimentos sonulentos. Esta noite, enraivecido, o vento soprou lamúrias escondidas, neuroses recatadas e fez ranger as dobradiças do céu, da terra e da água oceânica. Por causa dele, da inquietude e tormenta portentosa de rajadas fugidias e secas de amargura, os cães acordaram estremunhados e uivaram com ardor singelo ao desconhecido. Quem sabe o medo arrebatou os sonhos enternecidos. Quem sabe balançaram na memória do temor ancestral, denunciador de momentos já passados. Seria um prenúncio de episódios de outrora? Foram estes sons que me acordaram de um sono lento; embevecido e mergulhado em ternura quente. As frinchas da janela ganiram e rangeram de impulso. As persianas corridas debateram-se com a força violenta da revolta da ventosidade e com o mergulho aflito das gotas da chuva, enegrecida e sufocante de abrigo. Esta noite, ao uivar da aurora, os cães latiram a melodia do sufrágio da alma canina- a única expressão livre que os homens não abafam (por enquanto). Puderamos nós latir assim ao clamor da aurora e, por certo, dissipar a asfixia das opressões.

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