segunda-feira, abril 21, 2008

As minhas cidades invisíveis


As "Cidades invisíveis" de Italo Calvino jamais se poderiam dar bem umas com as outras! Não porque a sua disfuncionalidade é real em demasia, mas sim porque o seu sofrimento é antagónico em doses pesadas: destruir-se-iam em segundos! Nunca fui boa para nomes, por isso, não sei denominar como se chama a cidade dos "vivos" e dos "mortos"; ou aquela que os todos os homens idealizaram e não encontraram e, por isso, resolveram erguer, baseando-se em visões comuns! Eu sei: poderia ir ao livro de novo e ver, o nome justo pelo qual Marco Pólo as suspirou ao Kublai Khan! Mas não quero. Preciso, simplesmente, que essas cidades vivam dentro de mim, para que, desleixadamente, deixe que as pessoas que habitam nelas se cruzem comigo e eu saiba donde elas são; mesmo que elas venham de tão longe, como se eu nunca tivesse ouvido falar delas. Nesse dia, saberei que Ítalo Calvino já me falou delas ao ouvido. O mais curioso desta minha viagem, agora, com a mala do escritor, é que há uns anos, inconscientemente, sem sequer ter cruzado os olhos pelas cidades do Calvino escrevi uma crónica sobre viagens no suplemento "Fugas", do jornal "Público" com o título: “Viagem pelos lugares invisíveis”. Aí, acerca de uma incursão deambulante pelas surpresas da cidade de Copenhaga [Dinamarca] sem mapa, numa real descoberta das doçuras e sabores acres... Tropeçando, sem querer, nos lugares dentro de nós, e que só os nossos olhos sentem! O texto não é brilhante, nem se compara à maestria de Calvino. Mas vale pela coincidência da invisibilidade das cidades que habitam dentro de nós, que mais ninguém vê, mas quem sabe, com elas pode sonhar!Nesta altura, eu começava a conhecer as cidades dentro de mim!


Foto por vnrodrigues

Viagem pelos lugares invisíveis
Por Vanessa Rodrigues

Existem em todas as cidades. Na esquina de um prédio urbano. Nas ruelas sem saída. Ao redor de uma praça antiga. No limite de um túnel. Perto do metro. À saída de um hotel. À entrada de uma estação de comboio. Por trás de uma paragem de autocarro. Perto de um néon publicitário. Ao lado do café da moda. Só que por vezes não os vemos. Não percebemos os lugares invisíveis de uma cidade. Aqueles que não preenchem o mapa turístico. E contam mais histórias da cidade que visitamos, do que as atracções sugeridas. Perdemo-los. E não perscrutamos o genuíno telúrico. É nesses lugares que melhor sorvemos a cidade, a vila, o lugar. É no íntimo de locais incomuns que aprendemos a respirar ao ritmo da cidade. (Porque cada sítio tem um tempo próprio vital). Todos os lugares são assim. Não podiam deixar de o ser. Essas paragens estão imunes ao trilho turístico. São invisíveis porque se escondem no oculto citadino. Pelo interesse relativo de uns e a curiosidade de outros. Esses lugares podem ser os antiquários – que contam histórias da cidade. Os alfarrabistas, que pintam o cenário histórico do lugar. São a biblioteca local. A loja de discos antigos. A papelaria com design arrojado. O largo residencial de um prédio. As portas envelhecidas de uma casa (que sussurram narrativas). O jardim escondido ao dobrar a esquina. O café secular que serve chá em bules de porcelana antiga. O mercado onde, pela manhã, os olhos despertam para um dia de comércio. Mais: esses lugares (e ainda outros perdidos, por descobrir) são toda a cidade. O complemento ao sorver verdadeiro. Para sentir os cheiros que a movem. Os movimentos que faz. A hospitalidade que se apruma.

É, precisamente, no íntimo dos pequenos lugares – que, por acaso, se encontra – que quem habita a cidade está mais disponível para acolher. Mais predisposto a responder às curiosidades de quem visita a cidade.

Se realmente se quiser conhecer o lugar que se explora. Há um dia reservado para os lugares invisíveis. Que cada um descobre. À cadência do passo individual. Pela manhã. À tarde. Ao entardecer. À noite. Ou quem sabe ao amanhecer palpitante. Porque a aurora de um lugar desconhecido é sempre uma epifania a desvendar.

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