segunda-feira, fevereiro 18, 2008

Ligações Impossíveis


"Os aumentos dos preços já chegaram e prometem ficar acima da inflação”. “Este é o nosso suspeito do rapto de Maddie”. De capuz de Pai Natal, olhos de tarado – se é que há um padrão para estas coisas. E a mulher entrou. Sentou-se de um só fôlego. Saltitou com o amortecimento do corpo na cadeira. Rabo asseado nas almofadinhas dos transportes públicos. Está de saia. Sapatos catita. Meias cor de pele…parda! Ainda não lhe vi a cara, hoje. Será que quero? O do lado folheia o jornal do suspeito. Aquele que, pelos vistos, é nosso. Bem vistas as coisas: de todos nós! Espera! Ela cruzou a perna. Está entre um velho e um meio novo. Meio velho. É como o copo. No desequilíbrio da incerteza! Os sapatos – ainda não falei mais neles. E devia! Sapato de mijona, como diria a minha avó. Ela também os usou assim, não? Sapato preto. Ligeiro tacão quadrado. Uma sola elevada. Vá! Não chega a ser tacão. Apenas um desvio do que pode ser indício de feminilidade. A meia parda estremece quando a perna toca uma na outra. Cruzada! Aquele barulho frígido de dois esfregões bebés a roçar um no outro! Aquela impressão de arrepio de um quadro de giz. Previsível! Lenta como a eternidade que nunca chega a sê-lo tanto! Mas os barulhos da cidade abafam essa possibilidade sonora de chegar aos meus ouvidos. Por isso o som não existe. Imagino-o! E arrepio-me! São sons plurais. Nem sequer estremecem o singular!
O homem do lado, o meio velho; ou depois de novo; ou meio no começo da vida; amarfanha os jornais no saco do Jornal de Notícias. Schflap... Scfflap… Tzzzzz! Tem pinta de quem o compra todos os dias! O modo como pega no jornal com destreza, as mãos deslizando sobre o papel, dobrando ligeiramente a ponta; olhar direccional; delicadeza de quem ainda não se irritou com a falta de ergonomia dos nossos jornais: secos e ásperos. De leitura orientada para as gordas; o olhar rasante por cima do elemento de leitura para ver quem passa… Comprova a tese quotidiana da prática de leitura…
Nova estação. Barulhos de ocasião: o metro a deslizar nos trilhos; a voz off do intercomunicador; o arranque; o chiar; o parar; as portas a abrirem; a estremecer; o apitar… A música do mp3 do lado (walkman? minidisc?; …) estão para trás do tempo (mp4; ipod; telemóvel )… Outra estação. Sentido de viagem. Não o nosso! O do metro. Nova agitação; vozes de fundo; adolescentes carregados de palavras nasaladas. Dlim..Dlão, finalmente... Estação nova… As meias roçam – esfregões bebés repetidamente… Tzaahhh! Tzahhh! Não os ouço. A possibilidade de o serem! Cheira a suor. Velho, forte, carregado de sarro vivido!
“Fogo, oh Zé! Fogo! Que chaço, meu!”
Tosse um. Tosse dois. Sacos plásticos são abertos. O metro acelera… Pequenos solavancos. O ritmo, o rolamento…Três sons… Quatro..Cinco..E os que não ouvimos, contamos?
Vejo a cara dela. Não sei se a queria ver! A dos sapatos de soquete! Óculos escuros. Rosto farinha. “Harry Potter” na mão. Uma capa verde - como a saia axadrezada que ela veste.
Harry Potter e o Príncipe Misterioso… Terá ela um? Dois, Três, Quatro, Cinco, Seis…. Acreditará em cavalos brancos? Vassouras voadoras? Quantos amantes lhe passaram pelas meias pardas? “Menos de 174 milhões de impostos no tabaco.”
“A próxima estação tem ligação com autocarros”. Óptimo. É de ligações que estou a precisar!

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