terça-feira, junho 06, 2006

Espião do Reino

Zufiro é espião ao serviço do reino lusitano. Anota coordenadas geográficas das frotas portuguesas para as passar à monarquia vizinha. Rouba documentos cartográficos. Plagia textos, desenhos e anotações de rumo. Esboços de lemes. Movimento de ventos. Descobriu que o norte geográfico não é o mesmo do norte daquela tecnologia de ponta: a bússola aponta o norte magnético. Segredo guardado. Que vai passar para os ouvidos concorrentes. Hoje surripiou uma carta de tipo náutico-geográfico – o Planisfério Cantino. Ele até conhece o cosmógrafo que o desenhou. É companheiro de horas de mar. Ele sabe que o profissional de cosmografia não é subornável. Por isso, embebeda-o para o roubar. Ele sabe que a conquista do Atlântico está próxima. Que o desbravar de mares é o próximo passo. Que a palavra descobrir mudou. Expandiu-se. Projectou-se por ecos marítimos.
Guarda o caderno de elástico gasto no bolso da jaqueta rasgada. Quando o abre, o bafo a sepia sorve o oxigénio de um fôlego. O cheiro é marítimo. Salgado.
Ele, alto, esguio e de traços faciais leves, contempla os espaços siderais como a areia sorve a espuma do mar. Agora de missão cumprida, caminha para a sala como se nada fosse. Na inconfidência do segredo e na serenidade da consciência que dorme sob os espinhos alheios.

Sem comentários: