quarta-feira, julho 15, 2009

Acordei em território alheio. Não era eu, ou seria? Misturei as pegadas para que não se percebesse, mas nada reconhecia. Nem as folhas misturadas no jardim, nem o verde-forte-entranhado no chão como tapete colado ao taco que outrora a moda escondeu. O céu, as sensações, a pele aguda e as mãos de texturas finas, acabadas de receber o frio que queria dormir gratuito nas reentrâncias do calor das impressões digitais tesas como paus acabados de secar ao sol. Vi roupa a secar. Não era a minha. E roupa a secar diz por onde andaste nos últimos passos. Não foi por ali. Nada sei sobre territórios alheios, que não têm estradas para o meu. Seria? Era tudo tão silencioso, até o vento entrar assobiando. Não gosto de territórios alheios com vento, pois levam as folhas que faltam secar. Não gosto de territórios alheios com frio, pois minguam-nos o olhar... Gosto de passos incertos e de ir aos territórios alheios quando eles me levarem, sem que olhar me mingue, sem que as folhes me sequem, e sempre que o caminho deslize até lá...

sábado, julho 11, 2009












O cheiro mofado que vinha do quarto, e nós a inventar formas de lá entrar, sem que o avô percebesse, nos repreendesse por tamanha curiosidade pelas coisas com idade para serem nossos tetaravós, e a ingenuidade que tomava conta de nós. Saíamos às escondidas para nos aproximarmos dos móveis antigos, ouvir o chiar das dobradiças que agoniavam em gemidos demorados num amargar que só elos de ferro calejados que unem madeiras com cheiro de tempo que sabemos não ser o nosso. E depois, aquela naftalina que nos entrava pelas narinas, deixando mazelas por horas de tão forte acometimento involuntária dos sentidos, como se dissesse







- a partir de agora nada mais cheirarás senão este desuso dos sentidos que te anestesia e priva de saber se o ar anda enfeitado de outros odores, não saberás, portanto, nada mais que aquilo que te permito cheirar




como castigo pelo atrevimento infantil pelo que, na altura, seria o desafio dos deuses e a maior das empreitadas: vasculhar o quarto dos avós, e aquelas jóias antigas que nos enchiam os olhos e pegava ao colo para um romance literário, os lenços de senhoras que imaginávamos saídas de um café de belle époque, os postais que já ninguém escreve vindos de colónias de férias, termas, Algarves luxuosos e Espanhas que já não existem senão em postais assim ou histórias contadas, e já ninguém compra caramelos por lá, daqueles que se colavam aos dentes, sabiam a açúcar torrado, prendiam ao céu da boca e queríamos tanto voltar lá rápido já amanhã, como se tudo fosse tão rápido e intenso à velocidade com que abríamos e fechávamos as gavetas da cómoda, depois das fotografias a preto e branco que descobríamos com documentos antigos que achávamos sempre tão longe numa inocência de imortalidade e de tempo parado, e já não se fazem móveis antigos para cheirar naftalina, anestesiar os sentidos e enrugar as mãos com pó mofado e mãos bolorentas de traças que matamos, para que não contasse que chegamos a vê-las, com o coração a palpitar o lugar onde dormiam, como se tivessem mais direito à herança de segredos antigos daquela gente que era a nossa.

quarta-feira, julho 08, 2009

Por que demoras?
Em brisa que se faz conter
Em lágrimas de sorrisos
E onde moras,
Em ti?
Por que esperas?
Nesse refúgio de encantamento
que não se arreda de si
O que esperas?
Dessa amarra libertina
que te dá olhos para esconder
Sem quereres desvelar-janelas-sem-vidros
que és maior que ti
De que és casa
onde se repousa
descoberta de gastos de vida por usar
num certo momento
que só, assim, o é
logo que começares a andar
pés-nus
Que espera que tires o xaile
e descubras o frio
para depois o quente do abraço palpitação
eterno, suave, rasgado de ti
entregue ao vento e à perda
de ser. se já não o és!