sábado, julho 11, 2009












O cheiro mofado que vinha do quarto, e nós a inventar formas de lá entrar, sem que o avô percebesse, nos repreendesse por tamanha curiosidade pelas coisas com idade para serem nossos tetaravós, e a ingenuidade que tomava conta de nós. Saíamos às escondidas para nos aproximarmos dos móveis antigos, ouvir o chiar das dobradiças que agoniavam em gemidos demorados num amargar que só elos de ferro calejados que unem madeiras com cheiro de tempo que sabemos não ser o nosso. E depois, aquela naftalina que nos entrava pelas narinas, deixando mazelas por horas de tão forte acometimento involuntária dos sentidos, como se dissesse







- a partir de agora nada mais cheirarás senão este desuso dos sentidos que te anestesia e priva de saber se o ar anda enfeitado de outros odores, não saberás, portanto, nada mais que aquilo que te permito cheirar




como castigo pelo atrevimento infantil pelo que, na altura, seria o desafio dos deuses e a maior das empreitadas: vasculhar o quarto dos avós, e aquelas jóias antigas que nos enchiam os olhos e pegava ao colo para um romance literário, os lenços de senhoras que imaginávamos saídas de um café de belle époque, os postais que já ninguém escreve vindos de colónias de férias, termas, Algarves luxuosos e Espanhas que já não existem senão em postais assim ou histórias contadas, e já ninguém compra caramelos por lá, daqueles que se colavam aos dentes, sabiam a açúcar torrado, prendiam ao céu da boca e queríamos tanto voltar lá rápido já amanhã, como se tudo fosse tão rápido e intenso à velocidade com que abríamos e fechávamos as gavetas da cómoda, depois das fotografias a preto e branco que descobríamos com documentos antigos que achávamos sempre tão longe numa inocência de imortalidade e de tempo parado, e já não se fazem móveis antigos para cheirar naftalina, anestesiar os sentidos e enrugar as mãos com pó mofado e mãos bolorentas de traças que matamos, para que não contasse que chegamos a vê-las, com o coração a palpitar o lugar onde dormiam, como se tivessem mais direito à herança de segredos antigos daquela gente que era a nossa.

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