Os fios do chuveiro entram em curto-cirtuito. Czlap. Pifff! Não percebe. Ensaboa o corpo. Esfrega os pêlos do sovaco com violência redundante que quase arranca os mais velhos. A espuma escorre sorrateiramente pelos pêlos do peito, grossos e pretos. E agora peçonhentos de sabonete barato.
Cheira a queimado. “A vizinha de certeza”. Tudo se ouve. Tudo se cheira. Os cheiros todos se misturam de andar em andar com perfeita promiscuidade entre amante-marido-mulher-amante-marido-mulher. Parece plástico chamuscado, mas àquela hora, nada lhe ocorria que pudesse assemelhar-se a iguaria gastronómica com subtilezas chamuscadas. A água escorre quente. Mais um czlap-pifff! Faiscante. Colapsos eléctricos. O frenesim disparado vai carcomendo o fio vermelho, encostado ao branco enfarruscado. O telefone toca. Uma, duas, quatro vezes intermitentenente. “A vizinha, de novo”. Cinco vezes. A água vai escorrendo. Escorre, desliza e percorre o corpo branquela como nenhuma mulher há meses. Ele pensa nisso e acha que não deve ficar por aí. Mas o telefone toca. Uma. Duas....Desabituou-se ao ring. Não se recorda da última vez. Cheira a queimado. Enrola a toalha numa desordem. Molha o corredor de madeira rangente. Os pés nus assolapam o piso de líquidas memórias de água e sabonete. Atrás, o chuveiro escorre. A faísca, de novo. E a água ali tão abeirada. O fio estorricado. Quinta vez. Levanta o gancho do telefone anos 80 chapado no retro.
-Senhor Bielman! Hoje à noite. 21h. Dois cigarros depois. Leve a carta!
Desligou. Czlap-pifff! O painel eléctrico estourou.
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