Zuan perdeu-a. Não tem memória de quando terá sido. Talvez tenha sido aos poucos, em pequenas coisas. Daquelas como se cria uma estria. Ou como o pó que se acumula. Um dia atrás do outro. Outro: e vinte e quatro horas depois mais um, daqueles que passam e nem damos por eles. E quando percebemos, há coisas que já estão lá atrás, como se nunca tivessem existido, ou talvez façam parte de um baú empoeirado que deixámos no passado, como se fosse, assim: “há muito tempo”. Ou talvez demasiado tempo para se ser infeliz. Ele ainda insiste assim, "incerto-e-certo", com emails espaçados de um mês, para limpar o pó. Zuan vive na certeza dele, daquele dia, um de cada vez.
Por isso, a certeza é das mais incompletas dúvidas. Chegou a três. Houve até a fase dos três dias. Depois de três meses, chegaram até a trocar um email de palavras poucas no espaço de 35 segundos. Arroubos do momento para dizer nada. Aliás um traço da personalidade da comunicação, "emailmente" falando! Um simples: “pensei em ti; lembrei-me de ti; recebi isto e pensei que te pudesse ser útil". Elos que não se perdem, mas também não se mantêm. Lik já se esquecia de lembrá-lo. Um esquecimento normal, comparado a deslembrar a insignificância de uma consulta do médico, só recordado quando a memória recebe o alerta com fragmentos que remontam até à sensação de que ele ainda existia.
Lik, amarfanhara, levemente, um dia após o outro, como uma reabilitação de vício, o papel reciclado onde (re)escrevera aquele sentimento que nunca foi um lago tranquilo. Antes um mar profundo, em que as lições de abismo eram insuficientes para lá chegar. Já tinha voltado à tona há muito tempo. Secara o corpo molhado. E Zuan já lhe tinha sugado as entrelinhas que reescreviam toda e qualquer interpretação de que poderiam mergulhar juntos em apneia porque o ar seria suficiente. Não cairia sem fôlego de novo. Estava ali pronta sem reciclagens sentimentais. Amor ecológico não funciona. Lik sabe-o. Zuan também.
Deram um beijo no ecrã. Frio. Vazio. Branco. Vá se lá saber o que o meio esconde. Ela sabia, agora, que fora exactamente um mal entendido da linguagem de vida que os arrancava de si. O que a boca sentia, não sabia dizer. Na verdade, não existia nenhum problema: há ligações que, simplesmente, se convertem ao arroubo do contexto e quando se tenta dar continuidade (arrepio!) ele já não existe. Como a caixa grande de madeira da bisavô que ganha caruncho e pó. Lik não soprou. Achou que era altura de espirrar e combater a alergia. Há histórias crónicas de que já se curou. Zuan, arrependido, percebeu que o que ardeu estava em cinzas. E quando soprados desapareciam no ar. Em pó!
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