Venda-me os olhos. Guia-me devagarinho. Pode ser com o silêncio. Ou o rasar dos pés no chão. Descalça? Mais à direita. Segue. Está escuro. Mas há luz depois da venda. Menos do que quando fecho os olhos. Que deixa respirar às apalpadelas. No ar.
Cheira a alecrim. Tombam pingas aceleradas. Água escorrida. Em ciclo. Folhas verdes. Flores doces. Cimento. Madeira velha. Madeira verde. Musgo. Fetos. Pedras. Granito. Perfume. Pele. O chão é mais sinuoso às cegas. Quantas vezes se ouve respirar? Vira o corpo à esquerda. 90 graus. Vai. Mais um pouco à direita. Cuidado. Pára. Inclina-se para a frente. À esquerda. Mais um passo à direita. Viraste demais! Pausa. Subiste o degrau. A inclinação. O declive do piso assimétrico. Um buraco. A calçada falha. O chão é duro. Agora mole. Pisaste a relva. É fofo! O pé procura conforto. Equilíbrio. Agora as mãos baixam. Só a voz. E o corpo que vai. E se rebolasse? Confias? De venda nos olhos? Sem luz. Só com o calor do sol a dar-te na cara. E nas mãos baixas. Não há sombra quando os olhos não vêem. Nem verde, nem água. Cheiro deles! Aromas em coquetel. Patos, na água, a debicarem. As asas a bater. A árvore tem rugas profundas. Fissuras finas. Perdes o equilíbrio em segundos. Sem vertigem! Os olhos não a distinguem! O ar está doce. Pode ser das flores que não sabes o nome. Caminha para trás. Quatro passos. Baixa-te. Como sabias que tinha um banco? Marcas de tempo. Tinta estalada. Cascas. Ouves o “craque”seco a cair. Áspero. Ainda não terminou. Ergue-te. Tendes a caminhar para a direita. Como podes saber em que direcção caminhas? E o chão tem declives que não percebes. De olhos desvendados. Passou uma mulher. Nunca um homem com aquele cheiro. Tem pó aqui. Uma placa. O pé desliza devagar nele. Sobe. Baixa. Não é por aí. Debruça o corpo mais à direita. Um passo mais ao lado. Agora tendes a virar à direita. Não tens linhas rectas. Ouves demais a minha voz. Vou-me afastar. Sem influências. Podes estar perto, mas não demasiado! Que mais sentes? O chão, sempre o chão. Declivoso. Mas os cheiros não se misturam. São por si só. Não percebi de olhos abertos. Há muitas que não percebes se não vendares os olhos. Não basta fechá-los. Tens de os pôr a dormir, para ver!
2 comentários:
com a possibilidade de ver, perdemos mtas sensaçoes que nos podiam dar os outros sentidos. mtos sons, mtos cheiros, mtas texturas... mas eu, por ex, nao me sinto nda bem de olhos vendados. preciso ver.
Eu também, Sara!Mas sabe bem, de vez em quando, experienciar a verdade da venda, para reinventar o nosso olhar!;)beijoca
Enviar um comentário