sábado, maio 29, 2010

priva-cidade

é um lugar interior
lá atrás
partido. de partida, para nunca regressarmos. para sermos
para (re)construir
vivermos e voltarmos sempre atrás
vivemos e saímos para nunca sair. para sempre voltar
para ser a infância como estado puro, real.
marcada.
de vida (devida sapiência)
para viver
beber das lágrimas
sentir. prolongar
partir e regressar, intuir!

vivemos para nunca sair de nós
para sermos e sairmos dali, da cidade em nós.
com serviços adiados, em trânsito. fluídos.
horas alheias. as nossas. em jet lag. sem fusos horários
confusos. tão abstrusos. dos ciliciares
para que nós seja um refúgio liquefeito que o tempo consome
evapora. estado puro. volta.

vivemos para voltarmos. para que cidade em nós não se estranhe.

sexta-feira, maio 28, 2010

estranhamento

ainda se permite estranhar.
há sempre o que lhe permite estranhar.
o homem é como pó que se entranha.estranho, nunca sempre o mesmo.
que se rebenta de partículas, separadas,
para deixar de ser um pouco mais pessoa.

as garras de fora. as antenas das nossas desconfianças. ainda se foi.
em que pensamos quando nos vamos?
em que guerras de dentro vencemos; as que falhamos? (todos os dias falhamos um pouco mais e nunca nos habituamos a elas).

o dia é falha. latente. vai-se.

ainda se permite estranhar. resta-lhe. sempre se vai.
é como as tardias despedidas. as que não chegam. e as que começam sempre antes que se acabem.
estranha-se. como se estranha. este lado de cá é um depósito de estranhamentos,
de hábitos, desábitos e coisas desabituadas de nós.

sexta-feira, maio 14, 2010

há cabelos brancos.
esmalte desgastado.
estrias. pele a gelatinar.
há uma lenta agonia do corpo.
há um doce adormecimento de tudo isto.
há sangue arrebatado a correr-lhe nas veias.
há vontades, desesperos, solidões, fragmentos de agonia e sofreguidão.

há tristezas. autismo. há vazio. há isto.

há o balão que enche cá dentro e se vai.

há fumo, ar, estridências.

cordas que parecem amarrar o corpo.

há sistemas, esquemas, estratagemas, ulos gorgolejantes debaixo da terra a descansar com as raízes.

Ais, quero tanto mais, e não quer nada disso.

há supiros.

há homens e mulheres que nada disso são para serem melhores e mais.

há resquícios de nós, porque somos restos de alguma coisa que poderíamos sempre ser melhor.

há pedaços, sempre pedaços, e há suspiros, outra vez.

quero ser nuvem, sopra-lhe para que daí se vá..

o que te resta

explodes. respiras.

há a vida para uma eternidade, parece-te

encolhes, esticas.

e o eterno é um tempo passado, modorrento
é léxico parco no deambular
horas vagas, lentas


respiras. como respiras.

sonhos, bebes do ar
no lento aconchego do sussurro, de um sono que vem, enquanto tens tempo para ele.


há a vida para todo o sempre
sonhos, muitos sonhos, que faremos
faremos tantos! Ainda há tempo!

naquele dia; haverá sempre aquele dia em que o faremos

depois vem o futuro, que é presente

agonias, resignas-te, consolas-te, baixas os braços

o diafragma encolhe. desaprendeste a respirar. a encher o peito!

vêm os sonhos engavetados,
vem o léxico farto e a falta de tempo
vem a vida, ou um pedaço do que pode ser ela, quando começamos a deixar de viver

quando agoniamos no farrapo do que resta de nós, à noite
quando a máquina se vai por instantes

haverá quem te enxugue as lágrimas
se houver, a vida pode parecer-te essa eternidade que um dia foi

se houver, o todo deste nada pode ser tudo o que te resta

sexta-feira, maio 07, 2010

manifesto de ciranda

Lis é

cirandar, no singular
a preferir um plural de palavras
que um dia disseste sobre a primeira vez

cirandar é Lis num fio-de-pesca
que traça o pescoço, as mãos, cá dentro

Lis ciranda a preferir plural, 
a eternizar o começo, como da primeira vez

cirandar estraçalha e dói

ciranda dentro dela é lembrar que as palavras, as plurais, são o oco do singular
que sempre vem
com a última vez

cirandar, num constante fim
com medo de recomeçar, como se fosse a primeira vez

cirandar, sabes, é voltar a fazer de sentidos vendados
cirandar é nunca aprender que há fim

cirandar, ouve, é cair outra vez
cirandar, percebe, é nunca ver azul após intempérie
cirandar em mim, sei, é andar com a máquina de tempestades às costas
cirandar, é um manifesto de colo que Lis nunca tem

ciranda é a paz que ela quis
é uma areia movediça, um saco apertado com sufoco

cirandar é Lis a não entender por que amar é um posto de ciranda a desequilibrar