terça-feira, agosto 30, 2005

[Conversa do tempo]

Hoje está sol. Chuva, nevoeiro, frio, vento, brisa agreste, agradável. Eu gosto assim. Ás vezes não. Outras vezes assim, assim. Mas tem de ser! Resume-se à existência. Vida leviana, como o tempo. Instável, inseguro e propenso a doenças. Constipações. Acthim!Cof, cof! Alguém tem um lenço?...de papel. É que hoje está encoberto e não dá para grandes aventuras com o vestuário. Mas mais que o acaso, particularidade meteorológica, o tempo é conversa de circunstância. É o tema mais abordado, recalcado, falado, esmiuçado quando não se tem conversa. Quebra o gelo, literalmente! Acende a temperatura de um diálogo esmorecido, onde o silêncio pode ser mais do que constrangedor- intimidador. (Talvez nunca mais se volte a falar com essa pessoa de circunstância onde o tempo foi a tábua de salvação)... O tempo é disciplina nacional. Tema milenar talvez. Será que na Antiga Grécia ele merecia horas de destaque no fórum? Hoje bate os recordes de conversa evocada. Falta, pois, uma tese sobre as condições da atmosfera e a influência nas conversas humanas...

sexta-feira, agosto 26, 2005

-Para esquecer-

Não esqueci a virtude do encantamento e a certeza da areia tardia que rasa os pés dançantes. Não esqueci o fervoroso véu da melodia que salpica o silêncio e se faz belo num pinheiral ventoso (há magia?). Não esqueci a calma do mar quando envolve as gotas restantes de uma vaga envolvente, salgada. Inebriada de sal e vaidade. Quero, sim, esquecer as solicitações de um mundo exterior, degradado, envelhecido e maturado pela filosofia da estupidez e o passadiço fulguroso da massificação. Quero, sim, sem dúvida alguma, esquecer - não lembrar- que este país parco em ideias, embriagado de injustiças, estonteante de ânsia de nada, existe. E por muito mais que se critique, avise, alerte, aponte o dedo: a cegueira colectiva, inoperante, assiste ao desaparecer de um Portugal verdejante. Sim, quero esquecer. Cansei-me de lembrar!

terça-feira, agosto 16, 2005

Diz-se que as verdades são balelas dos fragmentos sociais que ousamos reconhecer como parte integrante de um contexto. Eu digo que as verdades são certezas infundadas, puras opiniões. Pontos de vista irredutíveis que podem não ser a minha realidade; apenas elementos baseados em factos verídicos.

-O fim do luar-

Ele roubou-lhe um olhar furtivo quando a lua se preparava para brilhar de esguelha, por entre as estrelas celestes, teimosas, insinuantes e convencidas de plena beleza. Só que se esqueceu de lhe dizer. Não falou do amor, determinado na certeza da intuição. Ignorou o facto de ela, teimosamente, vaguear sozinha por entre as baladas sombrias do luar sem aviso, nem tino que se sugira. E agora ela queda-se assim, tristemente, sentada na berma de um passeio sem brilho, nem reflexo fugidio que possa contar à lua o mal de que padece. Reza a lenda que foi o fim do luar. O término secreto de um mito vazio.

domingo, agosto 14, 2005

-Conto de outrora-

O Garcia chegou da rua com cara de caso. Nem o cigarro apagara e sujava agora a carpete envelhecida com a última cinza que caía da beata. Ao fundo da casa, a mulher berrava de desespero porque o forno avariara, novamente, e o rosbife nem sequer começara a gratinar. Também já não havia gás e aquele jantar estava na iminência de ter como prato principal uma discussão entre marido e mulher.
Rezingão, cabisbaixo e desalentado o Garcia disse, quase em surdina, que já tinha chegado a casa. Mas o tom de voz, nada audível, não chegara ao conhecimento da mulher que ficou toda a noite à espera de um marido que já estava em casa. O Garcia, esse, adormeceu no quarto degradado sem jantar. A mulher, a tal, saiu para casa da mãe, onde passou a noite em penitência por um casamento que nunca dera certo.

quinta-feira, agosto 11, 2005

O luto florestal

Não aprendemos nada! A verdade é que o ser humano sofre de uma terrível incapacidade de coordenação de prioridades e de uma lacuna cabal de actuar com eficiência. Ou melhor será dizer: os portugueses sofrem desse estúpido defeito que põe em causa a biodiversidade, a qualidade do ar, a vida dos outros. Tudo! As florestas estão cobertas de um luto interminável. Ardidas. Esquecidas. Dezenas de pessoas estão sem casa. E agora, ao fim de décadas cientes do mal de que padece o país, o Governo fala em plano nacional de emergência para prevenir e combater os incêndios. (Vem tarde e inconvenientemente!)
Custa-me pensar e constatar que só depois do roubo do fogo é que os portugueses resolvem comprar as fechaduras necessárias para travar esta desgraça. Não digo mais vale tarde que nunca porque esse argumento é inadmissível. Como é possível que nada tenha sido feito? Como é possível que ao fim de cinco anos o panorama das políticas de actuação relativas aos fogos não tenha mudado? Sim, esta estupidez calamitosa, funesta, podia ter sido evitada. Não venham com balelas e exercícios de retórica. Não me convencem de que era inevitável as florestas vestirem-se de luto este Verão. Afinal de que vale avisar? De que vale perder tempo com a diversão das cadeiras dançantes da política nacional? Meus senhores façam-me o favor de serem eficientes e, mais que isso, responsáveis pela situação actual. De que vale escrever cartas ao Governo? Advertir? A mim não me valeu de nada. Demito-me da participação política para expressar o meu desejo, mas apenas a minha consternação pelo egoísmo vigente.

quarta-feira, agosto 10, 2005

Mediocridade#1

Na televisão já nada me espanta. Raras são as vezes em que a ligo. Quando ela já está ligada em minha casa, às vezes sou obrigada, por escassos segundos, a interpretar as imagens que chegam até mim. A verdade é que, ou não tenho muita sorte com as emissões, ou já não há oportunidade que valha a pena dar à caixa que mudou o mundo (pela negativa).
Hoje foi assim: O ecrã mostrava a SIC Radical. Sim, aquele canal alternativo! Mas está visto que alternativo nunca foi sinónimo de pedagógico. Confesso que ainda aguentei - entre uma tarefa e outra no computador - uns dois minutos de emissão em directo de um programa do canal. O que aprendi? Parece que realmente não era para se aprender nada. (Talvez desaprender, inversamente!) Esses dois minutos foram gastos com os apresentadores a simularem um enxerto de porrada aos "cameramen" da emissão. A acompanhar, um som característico de onamatopeias de desenhos animados simulava as investidas de murros, pontapés, beliscões, etc. E assim passaram dois minutos de emissão ininterrupta de mediocridade. Potenciem-se outras cenas assim, multipliquem-se as dezenas de programas do género e temos mais que Portugal sentado a assistir a isto. Temos Portugal hipnotizado pelos pontos mágicos das ideologias ocas.

segunda-feira, agosto 08, 2005

Sabes que o silêncio é um tenaz companheiro do sonho que trespassa a memória? Pudera a voz calar a ausência de som com um simples sopro de impaciência, para que o justo pecador se prostrasse diante do altar com a malícia do erro.
Se o olhar espalhasse a verdade e se o fervilhar do corpo denunciasse a brandura que os gestos perdidos ensaiam ao entardecer, e tu não poderias sequer ousar responder com o silêncio. A sombra não delata. Os passos não caminham para justificar o pedido da mente em esquecer o caminho que trilharam. Ontem o manso caminhar dos dedos pelo teu corpo saliente, recolheram o travo amargado da doce impaciência do amanhecer. Talvez quisessem falar de silêncio numa língua paulatina que só o corpo compreende.




















Praga, Setembro de 2004
@ fotografia Vanessa Rodrigues

domingo, agosto 07, 2005

-A invasão dos bichos-

Primeiro foi um sapo verde que nos invadiu para falar de Internet e rapidez. Depois foram as inúmeras figuras fofas nipónicas, vestidas ao sabor do arco-íris., que povoaram o cenário publicitário por uns tempos (pois é, já ninguém se lembra)! Agora é aquele anúncio nojento para falar de cabelos oleosos, secos e por aí fora.
Os bichinhos fofos, nojentos, insinuantes povoam o espectro social da mesma forma como respiramos, andamos, dormimos. Fazem parte da onda "cool" e conquistaram o dia-a-dia de quem usa as ferramentas de Internet, novas tecnologias, publicidade.
Há um outro bicho nos "outdoors" da cidade: um outro sapo, com uma mescla transfigurada de ET para anunciar um cd qualquer. Há também um browser com o ícone de uma raposa; e uma infinidade de outras possibilidades que fazem deste quotidiano uma rede "zoológica" para tentar perceber, afinal, em que mundo é que vivemos! Que bicho seremos nós neste turbilhão?

sexta-feira, agosto 05, 2005

[País Assim?]

Ninguém percebe que ou agimos agora ou não restará um único espaço verde, uma única floresta, ar respirável, recursos hídricos, ambiente sustentado (já nem nem digo sustentável neste curto prazo) e disponível, renovação de ar, ciclo de vida animal, alimentos saudáveis, higiene? Será que ninguém percebe que ao ritmo que ardem as florestas não restará nada? Será que ninguém percebe que tudo está afectado se não agirmos agora? Os problemas respiratórios estão em ascensão. O ar está saturado e o oxigénio escasseia. Estamos a assitir a tudo isto com a passividade desleixada ao ler as manchetes nos jornais, ao ver as imagens na TV, ao ouvir as notícias da rádio e as baboseiras dos políticos e outros representantes que perdem tempo com a dança das cadeiras mediáticas. Urge fazer alguma coisa! O combate e prevenção de incêndios tem de ser uma das prioridades nacionais. Agora!

quinta-feira, agosto 04, 2005

-Finalmente Metro-

Trinta e cinco minutos é o tempo que o Metro me poupou. A baixa do Porto está agora a vinte minutos de distância de minha casa e não há dúvida que o nível é outro. Cessaram as filas de autocarro, a confusão e empurrões, o trânsito, a poluição do autocarro, as dores de cabeça pela mulher que reclama um lugar para se sentar, porque os jovens isto e aquilo e no tempo de Salazar é que era tudo muito bonito. Evitam-se outras balelas do género. Evitam-se os solavancos das ruas. Será que estamos a ficar mais civilizados? (Não isto não acredito, mas que a ponderação de quem viaja de metro é mais serena do que quem viaja de autocarro, isso é verdade!) Em cinco minutos a Senhora da Hora avista-se, quando no passado meia hora era o tempo médio. Lemos mais, passeamos mais, poluímos menos. A verdade é só uma e a que posso enfatizar é : "Finalmente Metro".

terça-feira, agosto 02, 2005

-Tributo pel"O Comércio do Porto"

É estranho e ao mesmo tempo um sinal desta sofreguidão competitiva e desmazelo pelos valores de um grande jornal de índole regional. É impossível que termine, assim, de repente. Uma empresa quando está para rodar a fechadura derradeira não expele de uma vez por todas os funcionários. É uma decisão paulatina. Com despedimentos vagarosos, que indiciem uma crise anunciada. Há anos que os rumores falavam de uma crise. Mas, foi tudo muito rápido. Está a ser tudo demasiado "limpo" e a cumprir um "pro forma" que não existe em Portugal. Não existe em lado nenhum!
O Comércio é um jornal peculiar, como todos os grandes jornais. Para além dos excelentes profissionais que tem é uma grande escola de jornalismo e onde se aprende a domar algumas feras. Ele é especial. Incisivo. Tem uma particularidade de equipa que a maior parte das redacções já esqueceram: a reunião diária de agenda, de jornalistas.
Aqui aprendi muito e ensaiei os primeiros passos para um amor que se revelou cedo difícil. Mas mesmo assim não desalentei com os sacrifícios, as horas a mais a trabalhar, os muitos serviços que me marcavam para além das voltas para os casos do dia (ali leva-se mesmo a sério esta informação!). Aprendi que afinal teria de engolir muitos sapos (para toda a vida, mas sem nunca expressar o sapo que me entalava). Passei por aquela casa durante cinco meses. Muito trabalho. Muita aprendizagem! Foi alucinante! Foi bom! Passei as minhas férias de Verão a ir à polícia, a sair em reportagem, a propor trabalhos! No final, fiquei com uma nostalgia incrível e com a certeza de que a imprensa tinha outro sabor.
Saboreei a antiga redacção, onde a agenda era um cubículo bem ao fundo da sala e o sol inundava os "macintosh" multicolores. Foi no Comércio que a minha base se fundou. Onde aprendi mais para ter a bagagem que hoje tenho. Onde sedimentei raízes para hoje colher e continuar a aprender. Foi lá que percebi o que era fazer manchete! Foi lá que escrevi sobre tudo!
Todas as redacções têm um cheiro especial e a do Comércio cheira a fresco, a mudança mas ao mesmo tempo a força, a coragem. Estou triste, contudo simultaneamente desejosa de que todos aqueles que fazem o Comércio não desalentem e continuem a dar cartas do excelente profissionalismo!Quero voltar a vê-lo nas bancas, nos quiosques, onde desde Domingo há um vazio por preencher!

segunda-feira, agosto 01, 2005

(Porta de Babel)

Império justificado pelo mito da palavra. Pelo fervor da fantasia como Atalanta perdura nos ecos de estórias não contadas, sonhadas, encenadas na nossa mente, expectantes por um momento que desencadeie o sonho. Eu anseio por uma porta de Babel. Por uma entrada que me leve para além do presente sabor a realidade e me carregue pelas frinchas para outro lado. Que me transporte pelas fendas frescas do tempo e me quede numa quimera de sol de semblante mais que luzidio: apaziguador. Anseio pela chave dessa porta; anseio por quem cinzele o ferro giratório de formas indefinidas que ama a fechadura da passagem para outro corredor. Talvez por encanto, a Porta de Babel se deixe seduzir. Se deslumbre, encantada, com a macieza do toque majestoso dessa chave impremeditada.