quinta-feira, junho 30, 2005

-Silicone e Poder-

Tem muito, muito poder! Pode e pode muito! Move amores, desamores e, claro está, delicia os aprendizes de políticos e sacia os desejos de ardor pela cadeira absoluta do "tacho". Ora bem, por este andar os traços corporais (já se sabe) e o silicone são a sacrossanta receita infalível do Partido Popular Monárquico (PPM) para esta nova temporada. Na corrida às autárquicas a lista já inclui Elsa Raposo, cujos atributos físicos são conhecidos; já quanto ao mérito intelectual, parece que a pequena se demitiu desse ramo logo à nascença. Pois bem, os dinossauros do PPM já lançaram as invectivas explosivas, mas quem anda deliciada com o insólito (como sempre) é a imprensa cor-de-rosa. Elsa Raposo está apontada para a edilidade de Cascais. E como não há duas sem três, quem sabe se a dona não dá provas de fazer subir os votos do PPM, depois de ter feito subir as audiências num programa sobre sexo, onde já se sabe, provoca outro tipo de elevações.

-Uma nova família-

O Canadá liberalizou o matrimónio homossexual. A Espanha é, desde ontem, o quarto país a aprovar essa mesma lei de matrimónio. O Congresso dos Deputados aprovou a modificação do Código Civil e os votos a favor da reforma foram de 187 contra 147. Na prática, a reforma recebeu o apoio de uma maioria absoluta. Sinais dos tempos? O Pós-Modernismo em ascensão a caminho de uma nova família.

quarta-feira, junho 29, 2005

-Cartaz de rua-

"Super Erótica". Não há que enganar. O show promete sensualidade, corpos nus, seios fartos e a descoberto. O cartaz está desde a semana passada nas ruas- disse-me um amigo- mas só hoje reparei nele, depois de um homem de idade avançada, sem pudor e à-vontade, se quedar em frente a ele uns bons cinco minutos. Ele movia a cabeça, olhava e lá imaginava as fantasias que poderia ter com um mulherão daqueles. Talvez no fundo pensasse: "Ofir? Pacha? Deve ser longe. É pena a paróquia cá da terra não fazer excursões para esses lados. Sempre teriam mais inscrições do que a peregrinação à Terra Santa".

terça-feira, junho 28, 2005

-Chuva de Verão-

Saia rodada, camisola e casaco de malha em azul turquesa e sandália da moda, a mulher desliza pelo passeio como numa passarela. O tempo não está para roupa fresca, embora a estação assim o queira dizer. Saíra de casa, certamente a contar com um dia de verão fenomenal, e queria mostrar ao mundo a roupa nova. Saiu-lhe na rifa um dia de chuva, piso molhado e a roupa ficou ensopada. Escorregou e, por momentos, pensei que ia cair. E eu sem poder fazer nada, tive como divã o assento do autocarro e como ecrã o grande vidro do transporte público. Para recato da mulher, só eu me terei apercebido do espectáculo.

segunda-feira, junho 27, 2005

"Acasos díspares" [-Parte 1-]

Quando abriu a janela foi como se o mundo respirasse o mesmo ardor que o quarto de bafo emproado transpirava. Abriu os olhos com timidez, porque a luz extenuante ainda lhe feria o estado de recém acordada. Apartou a cortina. Inspirou a manhã e confessou-lhe a noite mal dormida, os sonhos involuntários e o revolver inquieto que por dentro lhe moía a boa disposição. Deixou-se estar. Viu o vento a roçar as folhas do castanheiro. Olhou as pedras a rolar e, por um momento, pensou no dia desmesurado que a embalava pela manhã.

domingo, junho 26, 2005

[-Este pensamento sou eu-]

Este pensamento sou eu, ao redor da manhã. Este pensamento sou eu, na neblina do céu. Há um pensamento que é meu, liberto de mais ninguém. Mil pensamentos lá vão, num sôfrego pensar. Este pensamento sou eu, na camada da aurora que me arrasta a sonhar.

terça-feira, junho 21, 2005

-Saliva Sem Sabor-

Hoje os cobertores dormem na relva do Jardim da Praça da República. O despertador inicial é a luz da aurora que penetra no sono. Horas depois o alvoroço citadino manifesta-se por entre o alcatrão. Os passeios enchem-se de gente. Os semáforos agudizam um som estridente. Buzina-se. Calcorreia-se a areia do jardim. As aves esvoaçam. O vento sopra, queda-se. A humidade mescla-se com o calor. Está abafado e o ar bafiento. Ainda dormem os cobertores no jardim. Por ora ficam por lá. Ainda não é hora de levantar. Quanto tempo mais sonham? Com o que sonham? Ficam por lá. Os cobertores têm poeira; entre eles alguém se enrodilha todos os dias. Não dormem, silenciem, por horas, a dor da saliva sem sabor.

terça-feira, junho 14, 2005

|-Mediocridade Condecorada-|

Mil e uma vezes condecorada. Sete vezes multiplicada por nada, somada a discursos balofos e palavras sem sentido. Mais: no limite é justificada por frases inócuas, uma imagem trabalhada, cuja inteligência esperta (e sabida) sacia as delícias de um público delirante, extasiado. Eis o vedetismo que a Televisão enaltece. Eis a sensaboria displicente e fugaz que a imprensa “light” (que ofensa!) privilegia. Depois, no extremo, eis as vozes extenuantes, carregadas de nada, de discursos miméticos e pouco eficazes (ofendem os exercícios exímios de retórica). Agora o nosso campo visual vive invadido de pequenos nada que nos assaltam, de repente, tão plenos de mediocridade: spots publicitários, cartazes, revistas, moda, TV. Pois bem! Um puto com dentes tortos (perdoem-me o dinheiro tudo trata!), estilo “gringo” mal vestido (mas de marca), gestos brutos e com uma leveza espontânea "não-importa-o-que-diga- o-gajo-é-vedeta" é o protótipo do comércio livre com sucesso. Satisfaz as vontades do marketing. Sim, falo de todos os Cristianos Ronaldos que nada têm a dizer mas para quem o tempo de antena social não tem limites. As miúdas ficam em delírio (o rapaz ficou célebre depois de ter tirado a camisola num jogo de futebol) e já não sabemos onde colocar a cabeça de avestruz pela mediocridade que é, a cada minuto, condecorada. Viva a ideia sem conceito e o valor sem ideias!

quinta-feira, junho 09, 2005

-Quarto de Hotel-

Depois de atravessar a porta corre um ar trespassado pela fila de aromas que o povoaram. Sempre achei curioso um quarto de hotel. Que histórias as paredes poderiam contar? Que sussurros inseguros soprariam assim de rajada?; talvez sôfregas para encontrar uma linguagem que pudesse desmistificar o segredo. Gostaria de contar uma história dessas (talvez duas; porque não três ou aquelas que encenarem um final melhor). Pois e se nenhuma tiver tido sequer um início? Não seria grave. Ficaria adocicada pela almofada terna que corresse por ora e me enrolasse num capítulo. E quem sabe, sem o saberem, muitas dessas histórias falariam de mim ou do tempo das folhas que mudaram com a estação...

segunda-feira, junho 06, 2005

|-Vida de Rua-|

São desconhecidos. Mesmo assim vejo-os muitas vezes. Levam vida de rua, de calçada, de relento cunhado pelo relógio do desgaste. Hoje ela tinha um lenço na cabeça à pirata (vermelho riscado com branco) e um gancho a prendê-lo, não fosse o vento levá-lo para longe. Um bocejo profundo falou-lhe da vida e marcou-lhe ainda mais as rugas; as marcas que denunciam o desgaste. Há num olhar um redobrado sentido. Depois, distraiu-se com o nada e pôs-se a pensar! Até que retomou o discurso para que alguém lhe desse "qualquer coisinha" para o dia. Arranjou o casaco riscado com, branco de malha, que contrastava com a camisola amarela bem justa ao corpo. As calças eram balofas, os sapatos maiores que o pé. Mas a única coisa que não se ajustava eram os sonhos que teria ainda por viver. Pois! Eu sei que quando ela se pôs a pensar em nada, procurava pensar num sonho que nunca teve...Podia ser o dela, quem sabe não seria o meu!

sexta-feira, junho 03, 2005

"A Europa estala"

Os boatos diplomáticos já o prediziam. A conjuntura adiantava o prognóstico. Os desentendimentos e desalinhos políticos já se ouviam nos corredores das instuições europeias. O Tratado Constitucional é o tendão de Aquiles iniciado com a política económica.
A Itália há muito pondera a salvaguarda à moeda europeia (sugere a dupla circulação retomando a lira)- hoje o Ministro da Economia italiano realça à Imprensa a força dessa possibilidade. O sonho europeu desvanece-se porque é megalómano, a alto nível.
Houve um salto abrupto nos últimos cinco anos que distanciou ainda mais o espaço público do círculo privado diplomático. O verniz da discórdia estala ainda mais e, na próxima cimeira de Junho, é emergente concertar uma solução para ultrapassar a depressão pós-referendos (as negas da França e da Holanda ditaram a sentença do fracasso; as sondagens da Dinamarca alinham no não).
Até aqui não se ponderou o fracasso do Tratado, não se planeou a estratégia do insucesso - não há plano B (os bons gestores têm sempre plano B) . A culpa? Essa é sempre solteira e inocente, mas neste ponto concreto a culpa é partilhada, sobretudo num nível subsidiário (em Portugal não houve uma única campanha de sensibilização sobre o que é o Tratado Constitucional Europeu). Que fizeram os Estados-Membros para afastar os fantasmas políticos europeus do espaço público? Um vazio oco e ressonante de silêncio....

|-Café displicente-|

Esquece a frugalidade das outras cidades: caminha assim ao vento, lânguido, despretensioso pelo passeio de granito matizado, onde o vermelho quase em espiral povoa o branco que se funde em sabores da brisa. Elas não têm pressa. São bem-parecidas. Têm tempo para as pequenas coisas. São lentas nos gestos, nas palavras, nos amores. Inconstantes com o cigarro e displicentes com o café que sabe a tudo menos a isso.

quarta-feira, junho 01, 2005

[-A Cultura do Encoberto-]

Ou ainda estamos à espera de um D.Sebastião redentor, ou como por uma lavagem cerebral em massa a população deixou-se amestrar pelo cúmulo da alienação. "Somos" pornograficamente doentes pela tragédia, pelo humor negro. "Por Favor" parem de falar das pequenas Vanessas e das pequenas Joanas que inocentemente deslizaram nas mãos da crueza. Já sei que as vamos esquecer ( a memória é curta!) mas mais que estraçalhar a agudeza da má língua, importa gastar o latim ou a tinta a tentar mudar este sistema onde o erro e o engano continuam a ser premiados.